23.1.11

Seu Lãozinho estava lá

A primeira vez que vi o sujeito eu tinha por volta dos 10 anos. Visitava Tiradentes pela primeira vez na vida, com pouco afinco histórico ou cultural, devo confessar. Muito mais estimulado pela onda gostosa da excursão de escola.

A cidade estava parada pelas gravações do Memorial de Maria Moura da Rede Globo. Por todos os lados haviam carros, caminhões, trailers, estrutura digna de grande produção global. Logo depois da ponte de pedra me chamou a atenção, a placa de um boteco: "Impóriu dos Malas". Na porta um sujeito barrigudo, sorridente, cabelos umedecidos, penteados pra trás. Bermuda velha, camisa branca e chinelos de dedo. Numa das mãos uma escova, utilizada pra dar um brilho nos pêlos de uma égua velha, resignada com os carinhos do suposto dono. Na outra mão um cigarro, que eu não via ele fumar. A cinza grande se acumulava.

Resolvemos dar uma paradinha, eu e meus colegas de escola na birosca do outro lado da rua. Eu, ainda curioso com a figura do outro lado, atravessa a rua com o pescoço torcido, esperando algum gesto que revelasse mais sobre a figura. Eis que de dentro da birosca saiu o ator Jackson Antunes, com uma translúcida bagaceira na mão, de sorriso imponente e me alertou:

- Aquele lá, moleque, é o seu Lãozinho.

Entre a surpresa da manifestação do ator global e a revelação, que pouco dizia, segui mudo até o balcão, comprei minha água mineral e prossegui junto da minha excursão escolar, disciplinado como mandava a Tia Elza, supervisora pedagógica de minha escola, mas com a cabeça a mil.

Já sabia que a figura desleixada que cuidava do cavalo era Seu Lãozinho.

Alguns anos se passaram até que voltasse a Tiradentes. Já mais velho retornei a cidade por mais uma vez com uma excursão da escola. O "Impóriu dos Malas" permanecia lá, intacto. Resolvi comprar lá minha água mineral, e confesso, fraquejei na vontade de perguntar se ainda existia na cidade o tal Seu Lãozinho e sua égua velha.

Seguimos a casa do Padre Toledo, espaço histórico encantador. No porão, o local onde os inconfidentes se reuniam, sob a tutela do padre. No centro uma fonte dos desejos. Eu, cético, achei que aquilo era uma grande bobagem e ponderava sobre a possibilidade de jogar uma das minhas moedas ali, a troco de desejos, muitas vezes obtusos. Me chamava a atenção a água límpida, que refletia a pouca luz da escuridão do porão subversivo. Escuto então uma voz:

- Joga uma moeda, rapaz. Não tem o que temer. Um trocado, um sonho.

Olhei pra trás e lá estava o famigerado Seu Lãozinho, com os mesmos cabelos, barba por fazer, jeito desleixado. Pude observar que ainda na mão trazia seu cigarro. Eu sorri, sem graça, e resolvi atender o apelo.

- Boa rapaz, agora vai pra junto da tua turma que a professora já tá te olhando de cara feia.

E mais uma vez foi embora o Seu Lãozinho. Eu não sabia muito bem por que achava aquela figura tão curiosa. Não fazia o tipo matuto, não era vaqueiro, não era matuto. Fazia o tipo de um outsider que teria ido morar por ali depois da aposentadoria e curtia seus anos de descanso no desleixo, fumando um cigarro, saboreando umas cachaças e afagando a égua velha, que provavelmente mais era de estimação do que para transporte.

Antes de ir embora, uma passada na Associação dos Artesãos de Tiradentes para comprar uma lembrança. Escolhi uma faca de ferro com bainha de couro. Coisa de moleque. Paguei, recebi o embrulho e pouco antes de sair ouvi a balconista dizer para outra mulher que se encontrava no fundo da loja.

- Tem de avisar pro Seu Lãozinho que as facas acabaram. Manda ele trazer mais. se não tiver pronta lá, que faça mais. O movimento aumentou.

Saí de lá ainda mais impressionado com a forma como aquela figura circundou minhas idas a cidade. Passaram-se dez anos sem que eu fosse a Tiradentes.

Incentivado por minha companheira Cecília voltamos a Tiradentes para a Mostra de Cinema. Curtimos a cidade de forma incrível já na sexta-feira. Cabe dizer que nem me lembrei da figura daquele senhor.

Até que no sábado a noite, depois de assistirmos um filme na praça, subimos as ladeiras e cruzamos a Rua Direita em busca de um lugar pra comer. Em frente ao Bar do Bizuca um samba improvisado comia solto, ali mesmo na calçada.

Achamos a música boa mas a fome já apertava, resolvemos passar direto. Quando olhei pra trás, ainda que de relance, pude perceber uma figura conhecida, perto do batente da porta do bar, copo e cigarro em punho. Era ele. Seu Lãozinho observa atento a batucada, com o mesmo sorriso, o mesmo olhar. Não tive reação, segui andando com Cecília sem nem comentar nada com ela.

Encontramos um bom lugar pra comer, bons amigos pra papear e o fato foi esquecido. Chope vai, chope vem, a noite terminou e voltamos a nossa pousada. Ambos com sono e com vontade de descansar dos dias quentes e agitados.

Mas como bom insone, e incomodado com o calor, acabei me levantando da cama e indo tomar um ar na varanda da pousada, por volta de duas horas da madrugada. A rua já estava relativamente vazia. Mas eis que uma figura conhecida atravessa a ponte de pedra e vem caminhando em minha direção. Era ele mais uma vez. De olhar singelo, com seu cigarrinho.

- Sem sono, garoto?

Finalmente tomei coragem de responder.

- Sim, o calor, a cama estranha.
- Verdade. Isso tira o sono de qualquer um.

Ele deu o ultimo trago no cigarro, sorriu tranquilamente e disse:

- Ainda tem lugares abertos nessa cidade. Eu diria que abertos desde tempos coloniais. Tomamos uma cachaça?

Me sentindo o mesmo garoto de sempre respondi rápído, talvez não muito assertivo.

- Hoje não, amanhã acordo cedo para arrumar malas e viajar depois do almoço.

Ele balançou a cabeça positivamente, sem perder o sorriso, fez um gesto com a mão sobre a cabeça como quem me saudava e caminhou pela escuridão. Mas antes de ir em definitivo olhou pra trás e perguntou:

- Afinal, o desejo da fonte, realizou-se?

Eu dei de ombros, tentando explicar com um gesto que nem me lembrava do que havia pedido.

- E a faca? É boa?

Fiz um sinal de positivo, mesmo sem nunca ter sequer tirado a tal faca da bainha. E ele sumiu mais uma vez da forma simples como aparecia.

Não revelei tal história para Cecília, que provavelmente saberá dela, lendo este texto.

Quando chegamos em casa antes mesmo de desfazer as malas, procurei a velha faca na gaveta. Ela não estava lá.

Aliás ela provavelmente nunca esteve lá. Assim como a moeda na fonte do porão da casa do Padre. Assim como o tal velho que fumava enquanto escovava sua égua velha.



6.1.11

EM FUGA

flor de cheiro, espinho
espezinha dedo, napa
enche olhos. É olor de
madrugada. Pétala faz
vulva,volver, voltar
verve de falo é arrocho
de corredor, é fodinha
de amor. É paixão em
fogo, oríficio proibido,
em fuga.


31.12.10

Feliz 2011

RETIRO USUAL


deslig'alma bagaceira santíssima
que o corpo não mais cede ao apelo
da sede insólita

é copo americano
é batuque em violão
é roda de fiada conversa
que firma em verso testemunho
é frouxidão de nó de gravata, colarinho
de homem, de chope, de branco, de crime, de paz.

Garganteia madrugada quem molha a mesma
com goles de paixão cética pela vida.


HORIZONTE


é avante que os olhos furam
limites. Decerto é a tal de
esperança que faz fio.

28.12.10

letramar

Letramar é serpente
que risca em terça, li-
tígio dissonante canção
abrigo de coração. verso
é poeta sem eira com
beira, é água é ânsia de
santa, bárbara, iansã.

Letramar é fonema de-
clama, infinitivo de le-
trar, deleite de bebum
assunto de pescador,
rede de farra, sarrafo
a farfalhar, é safo, afoi-
to, finge que foi, mas
nem crê.

Letramar é catulagem,
passagem de alma, é
louça lavada e prato
de barro, oferenda de-
certo esperança que es-
prai, sindrome de poeta
é palavra incerta que
busca de eternidade.

17.12.10

Dezembro

dezembro este mês molhado
com gosto de natal e ano novo
mês de poesia
mês que o verso sai por aí
atrapalhado a inundar meus papéis
e minha cabeça

numa loja qualquer tento escolher presentes de natal
entre um café e outro
busco nas outras sentido pra vida
nas outras histórias nos outros
tombos, recaídas, reerguendo a caneta
que desliza incólume pelo corpo
que vira poesia

dezembro me sorve tipo onda
brisa, crista, de uma loucura qualquer
dezembro, desalento
um embro, um emo, um dêz
a dezembrar este coração leviano
e isso que quero deste mês
leviano

que leve o ano
que leve quanto
pena, o penar

quero um ano novo, uma virada
leve feito seda e que não falte
a seda, leda,
o ledo engano de que tudo vai se repetir
na vida de um poeta
sagitariano
funcionário público
que publica seus sentimentos mais
impublicáveis
que encana no doce gosto da cana
e troca a cama
pela mesa de bar

dezembro já vai, já vai tarde
vai de táxi, vai de ônibus
sai de perto, vade retro
pra longe anunciando pontes
dietas, regimes, abistinências
policiais diligências, gritos histéricos
ecoando pelo hemisfério

dezembro se vai
foi
embora,
embora as mais velhas vontades
nostalgicas, taradas
insistam que fique
pra tomar mais um copo

7.12.10

poesia - mododefazer

queira saber.
estenografar palavras

ansiedade dúbia;
inerente, em português,

o fazer-se é grandioso.
em inglês, complexa tradução
do the making of.

poeta brasileiro assobradado,
em cânone insiste,

não esmiuçar estrelas
externar as sobras,
desmerecer desafio.

poesia, modo de fazer,
é vernáculo de poeta.

25.11.10

100 km

era a garota loira e seus pés pequenos a balançar, deitada de bruços. era a beira e todo alpendre, varanda, beiral, parapeito. era o sorriso tonto, a boca seca, os olhos grandes da garota que era. era a vontade do vagabundo, sua camisa larga, suas olheiras. sua vontade de dirigir 100 km era; a busca da garota loira dos pés que balançavam.

era só buscar a garrafa de espumante e a caixa de trufas vagabundas na loja de conveniência. era ajeitar os óculos de grau, velhos, tortos, controlar as mãos no volante, olhar sempre o retrovisor, era, ansiedade.

era tocar a barca em frente, estrada afora, desejo a dentro, esperar as promessas de amor e tesão, da loira e seus olhos grandes, de que "sim, meu amor, hoje eu sou tua, sim, lindo, vem desse jeito, mas vem rápido". era.

era esperar que a repulsa de outras noites troca de nome com o afeto, que marcha, em riste a força de vontade. era.

era um carro. vai noite a fora 100km noite adentro, rasgando estrada, contornado poeira, zunindo pneu no asfalto. a fim de chegar cedo pra fazer a que veio, a que é. era.

18.11.10

signos

manchete não dá cabo, acoberta folha de jornal, cobertor
condescendência do aplauso enche pança, pisca olho, prisma.

afago enche a cabeça, acalenta o coração, mas não transa linguagem.

e eternidade é o sorriso do velho professor, sinal de respeito
a barba branco do Haroldo, a balançar semiótica.

9.11.10

Eco nesta semana

Neste mês de novembro voltamos, desta vez juntos do encerramento
da semana de Letras da UFJF.

O evento acontece na sexta-feira dia 12 a partir das 21h, no Mezcla. Teremos dois convidados especiais nesta edição:

Thiago Camelo (RJ)
http://veraoembotafogo.blogspot.com/
Diego Grando (RS)

http://ativastentativas.wordpress.com/


Trupe do Eco Performances Poéticas,
com Mr. Pedro Paiva nas Pick-Ups
+ convidados

Ainda na programação da festa, show a banda
Lumiere

(haverá cobrança de couvert)

1.11.10

Pó compacto

reboca com galhardia a face
outrora não se usava no verão
esplendida geratriz do disfarce
mística musa do senão

ao imiscuir-se de sua beleza
tenaz, provoca sentidos
desfere ilídimos olhares
para desespero do marido

reveste as maçãs do rosto
na pista de dança, na praia
oh, suor que está convosco
mancomuna-se à sua laia

externando mil “senões”
desmonta simplória faceta
esconde as agruras letais
carrega magia-maleta

21.10.10

Compre almas

Expresso em
descontentamento a morte das palavras, e
o virulento êxito da imagem

que vence o som da fala, das bocas em palavras

e dos gestos que acompanham
as letras que desafiam a imaginação

(o poeta de nada serve nesta terra,
se um dia serviu, teu reino foi deposto
e o poeta nada tem com esta cercania)

expresso em
agouro
o ouro dos tolos
que me seduze, ou tentam
às favas das tolices
das
tecnologias, estéreis
que nada me fazem sentir

a arte deveras monolítica hoje
é apêndice
de cartazes
publicitários


- COMPRE ALMAS
enjoy

Por que a vida contemporânea é um slogan
E a tv inimiga obsessiva da insônia

Banksy

14.10.10

Etapas da noite

Em homenagem a um gênio chamado Aldir Blanc



a primeira etapa da estada
de um cara, poeta qualquer
num boteco da vida
é simples:
bebe a cerveja gelada
para amansar a garganta
para os papos mais cabeças
da vida.
Dos desagrados ou dos benfazejos,
eis que surge a cachaça.

neste momento filosofa-se,
sobre a cana, o engenho, o alambique
a sorte dos escravos, trocados por
tabaco, o carvalho, o animal
que nas costas faz tração pra nascer
o melado.

nem mesmo os mais bravios
tem estômago de aço,
e é essa a função
do tira-gosto: desfazer
o mau agouro.

e o boteco é apêndice
da xepa ingrata,
onde come-se a moela,
o coração, o chouriço,

e a pimenta vem
fazer tipo
como quem nada quer.

o final da noite
parece fim da vida
abraços, juras de amor
beijos sinceros

vem o
adeus ao bar
como quem se despede
do amor proibido

4.10.10

Poesia - Auto-Biográfica



meu nome é tiago rattes de andrade nascido ao sul das minas geraes ao ano de nosso senhor oxalá de mil-900-&-oitenta-e-2, mas poderia ter nascido em dogtown-CA e seria um Z-boy feliz da vida, democrata, patriota. vegano radical, mas como não moro na praia sou assim, eu mesmo. careta. sou juizforano por adoção. estudei em escolas religiosas e isso me ajudou muito a ser uma pessoa sem religião. escolhi ser historiador por que achava que só aulas de história poderiam ser legais. escolhi ser cientista social por acreditar que ser cientista de qualquer joça lhe dá algum respeito. escolhi ser poeta por que me amo, quero ser amado, quero amar tudo quanto é gente que passa por aí. e quero ganhar um milhão de dólares com isso. apesar do nobel só pagar 500 milhetas, that´s right? já namorei muito. e isso basta. sou pró-palestina e que se foda o resto. acho uísque uma bebida boa, mas não vale o preço. adoro carne gorda e amo saladas. como carne com peso na consciência. separo meu lixo reciclável. sou radical. odeio quem não tem posição. adoro coca-cola. odeio cada dia mais assistir tv, tenho desistido de ler jornais. viajei pelas minas dos matos gerais e choro em cada despedida. choro quando ouço “calix bento”. choro quando ouço “caso comum de transito”, choro quando ouço o hino do tupi f.c. cresci aprontando todas peraltices munido de amigos pelos quais ainda hoje morreria, daria uma vida. e isso foi num bairro, onde as ruas eram de pedra. fiz guerra de mamona, e hoje a guerra é contra a insônia. fiz cerol, mas parei de passar o cerol em geral, bem cedo, se é que me entende. ao contrário de milhões de neuróticos eu só tenho a agradecer aos meus pais. pretendo envelhecer com saúde afinal esse papo junk de “viva pouco/viva rápido” não cola. eu quero ter é saúde e gozar da cara desses trouxas que morreram cedo quando eu tiver meus cento e poucos anos. e que deus abençoe que sejam todos estes anos de intumescência.

30.9.10

Poesia virtu@l - Tribuna de Minas de hoje

Bruno Calixto

Repórter

O acesso à poesia, antes restrito às prateleiras das livrarias, hoje tem o aval da tecnologia. Como alternativa ao exigente crivo das editoras, poetas de diferentes gêneros têm apostado na democratização da leitura de suas obras, redefinindo formas e espaços da relação obra-público. Este nicho da literatura tem atraído a atenção de autores locais, que optam por disseminar sua produção em blogs, reafirmando a máxima difundida por catedráticos do ramo, como Moacyr Scliar, que defende a necessidade de publicação “onde quer que seja”.

Mecanismo fácil para a divulgação de textos em geral, o blog é a bandeira da independência da nova geração de escritores. “Acho que é a grande possibilidade de democratização da literatura, seja em prosa ou verso, de uma forma geral. O acesso irrestrito do público possibilita interação com o escritor e novos contatos deste com seu público”, ressalta José Alexandre Abramo, produtor cultural do ECO Performances Poéticas e um dos colaboradores do “Caderno encontrare”, de literatura. Segundo ele, este pode ser o caminho ideal para romper com preconceitos e estimular a leitura, apesar de “o livro físico dar uma sensação maior de profissionalismo e aprofundamento literário”.

Para o professor de história e escritor Tiago Rattes, mais que tornar o conteúdo acessível, o blog tem aberto espaço para uma nova geração de poetas, cuja produção traduz “sentido mais pop”. Ele cita como exemplo a escritora carioca Bruna Beber e o uso que ela faz de seu blog (didimocolizemos.wordpress.com). “Ela o utiliza como uma espécie de ‘podcast’ (arquivo digital), em que divulga, também, poesias de outros autores. Aliás, o blog é uma ferramenta muito importante, porque possibilita o contato com outros poetas do Brasil, como no meu caso com Chacal. Eu estava no blog dele e, sempre que comentava, divulgava o meu (tiagorattes.blogspot.com). Passamos a trocar e-mails, e agora um acompanha o do outro”, conta.

Uma estrada de infinitos caminhos, a internet é um território a ser ainda mais explorado. De acordo com o editor do jornal literário “O Rascunho”, Rogério Pereira, dependendo da intensidade do uso da rede, a relação escritor e publicação virtual pode ser avassaladora. “Tempos atrás, o poeta escrevia, imprimia, mostrava para alguém ler e aguardava o retorno. Um caminho mais demorado. Hoje, o que existe é criar e ter resposta instantânea”, observa o jornalista, comentando que, durante uma conversa com um amigo, constatou que qualquer microconto publicado numa rede social como o Twitter, por exemplo, tem repercussão imediata.

Rogério Pereira salienta que, se, por um lado, esta instantaneidade favorece a possibilidade de inserir mais um trabalho no circuito, por outro, pode gerar uma certa ansiedade em publicar e ter retorno daquilo que, às vezes, teria que ter passado pelo processo de aguardar uma segunda leitura antes de chegar ao público. “Muitas escritores são engolidos pela pressa, que a internet tem e a literatura convencional não tem. Afinal, a literatura tem tempo de leitura e produção lento”, conclui.

Apontando caminhos
O escritor Luiz Fernando Priamo, que reuniu poesias publicadas em seu blog (otarioinvoluntario.blogspot.com) no recém-lançado livro “Involuntário”, caracteriza a ferramenta como um tanto caótica, considerando a perda de controle por parte do autor com relação a sua obra. “Muitas vezes, as pessoas postam poesias por postar”, dispara o poeta, apropriando-se também do legado proliferado pelo compositor Chacal. “Não é uma questão de só mostrar a poesia, mas manter a visibilidade em si. A poesia na rede pode até ajudar, pois sabemos que esta é uma arte que interessa a poucos se comparada aos romances”, completa Priamo, cujo blog foi criado há três anos para divulgação de oficinas e eventos literários, como o ECO.

O confronto entre o volume e a qualidade de informações na internet é apontado pelo jornalista Rogério Pereira como fator “angustiante”. “Leio algumas coisas que me mandam, mas leio muito no livro, o tempo todo. Prefiro o papel.” Luiz Fernando Priamo concorda, ao lembrar do Prêmio Camões 2010 - um dos mais importantes do gênero - concedido ao poeta Ferreira Gullar, pelo conjunto de sua obra.

Outro ponto polêmico refere-se aos direitos autorais, assunto que deve ser debatido na esfera política e civil e burocratizado de forma legal, como observa José Alexandre Abramo. Rogério Pereira, ao comentar sobre um bate-papo com a ensaísta Heloisa Buarque de Holanda, defende que, apesar de ser uma “briga complicada, pressupõe-se que quem publica na internet sabe que está soltando para o mundo”.

Poesia de músicos
Militante da geração “marginalizada” de artistas dos anos 70, Chacal é um dos raros exemplos de multi-artistas, cuja produção consegue transitar entre música e poesia. Assim como ele, uma legião de representantes de outros setores artísticos “invadem” a praia da poesia e/ou vice-versa. Em Juiz de Fora, os compositores Edson Leão e Danniel Goulart, da banda Eminência Parda, mantêm versos em seus blogs que nem sempre viram música.

Sem a pretensão de ser enquadrado como poeta, Leão considera seu blog (bardosabordo.blogspot.com) uma página de textos em versos, não necessariamente produzidos para se tornar canções, embora isto aconteça com alguns. Por conta da repercussão do seu blog (suaeminencia.blogspot.com), Danniel Goulart passou a integrar a equipe do ECO Performances Poéticas, o que, a cada dia, o estimula a seguir com sua produção. “Minhas poesias foram escritas em cadernos e folhas que ficavam perdidas, até serem documentadas no blog. Com isto, as pessoas leem e comentam, o que motiva qualquer um”, argumenta o letrista, que também não se define poeta. “Acho que o fato de publicar onde quer que seja é importante para receber crítica, colocar a cara a tapa. Tem gente que entrou no blog para ler sobre música e saiu satisfeito com as poesias”, diz.

Cantora e cronista, Daniela Aragão também apostou no blog (ocantodadaniela.blogspot.com) para extravasar sua arte, que inclui, entre muitos outros gêneros, textos poéticos. “Parece-me que há novamente aquele espírito criativo que envolveu a geração mimeógrafo dos anos 70, mas obviamente com uma série de transformações, em que o contexto político e tecnológico, para o bem ou para o mal, é outro”, resume.

Poesia.com

Outros blogs

> geleiageral001.blogspot.com
Da produtora Laura Assis (ECO)

> kadumauad.blogspot.com
Do poeta e compositor Kadu Mauad

> signodeplutao.blogspot.com
Do professor de literatura e poeta Anderson Pires (escreveu o romance online “Malditos” através do blog, onde vai publicando os capítulos aos poucos)

28.9.10

27.9.10

Doce distância

Havia noite, e palavras, meu bem. Eu me lembro...
trocávamos olhares, enquanto eu sorvia um drink
a jazz-band evocava apaixonados casais no salão.

O código secreto da noite eram sorrisos disfarçados
minhas mãos guardadas nos bolsos e nos copos
se escondiam, por temer te tocar e estragar esse retrato

Tua roupa, teu perfume, teus acessórios, te condenavam
a ser uma pequena deusa. E as deusas são assim.

Em fuga e sequestro, havia um lago, onde a conversa
invadiu a madrugada. E nunca mais...

Mas havia, e sempre houve um carnaval.

Quando trocamos sorrisos e desencontros, no nosso
Bloco de Nós Dois, você era a porta-estandarte, e eu
fantasiado de sonhador, brincava de cortar corações

Desde então lago não há mais
nem carnaval.

De vez em quando há a tua voz, teu olhar,
teu sorriso, que alimenta a distância e a saudade
minhas palavras que tentam aliviar esse sono.

Mas na distância esse eterno sentimento não solucionado
encontra abrigo, e vida.

Enquanto a jazz-band toca no salão de nossos sonhos.


22.9.10

Ontem

não perdi o sono por causa da saudade,

não, não perdi.

não foi por causa de teus olhos serenos
nem por causa de tua pele clara, marcada
não.

(tocava um tango de Matos Rodrigues, você chegou)

nada com suas tatuagens
que preenchem minha imaginação
nem do gosto de tua boca,
do teu piercing que desde cedo
incitou minha imaginação,

(teu olhar sereno, teu corpo inclinado na cama desarrumada)

não.

não perdi o sono por causa
da saudade das noites de ardor
dos papos infindáveis, das duas cervejas.

nada com a contravenção adolescente,
da fuga.

nada com seu corpo que dança
em minha imaginação, nada, meu bem...

perdi o sono, pra ficar acordado
e manter viva a lembrança
de ontem a noite,

quando você sorriu pra mim.


Da série Chicas que leen, aqui.

15.9.10

Hibrida no Muzik - a despedida


A moçada da Banda Hibrida tá de partida pra São Paulo. Bom trabalho pra galera! Uma banda excepcional, sem dúvidas nenhuma a banda que mais se destacou no cenário do rock na nossa região. Com toda competência e criatividade vai se destacar em breve no cenário nacional.

Grandes músicos, belos arranjos, letras lindas. Um trabalho super profissional e criativo.

O que mais me impressiona e empolga no trabalho dessa moçada é a capacidade de fazer acontecer. Produziram seus EPs, clipes, utilizam a internet de forma super legal. Tudo isso é fruto do trabalho da própria banda. Provaram que ser independente não é ser tosco ou amador.

Se você ainda não conhece. escute. Se já conhece, melhor ainda: www.myspace.com/bandahibrida

10.9.10

Coisa fina

Clica na figura. Aí "tu vê" mais detalhes...

Leia aqui a matéria que saiu sobre o lançamento de "Involuntário, na Acessa.com
E aqui você lê o que as meninas do Geléia Geral falaram sobre o livro e o autor.

3.9.10

REGIONAL



regionalismos me encantam, eu sou

assim. coco de roda .

trêmulo transubistancio-me em congadas

ladainhas de abre-roda, capoeira

emboladas tranca-vozes, seca guela

molha a cachaça, reza vela

nego o tarô, cedo aos búzios

preto velho me guarda

na irmandade dos pretos do rosário

afinal eu sou mineiro,

igrejas

são meu teto, a hóstias consagradas.

tormentas

espraio com os ungüentos

ressacas curadas com elixires. o calix bento

visto bandeiras, assumo nacionalidades

cumpro promessas de joelhos

no santuário da esquina.



16.8.10

Bienal

joão mateus tinha dezessete anos era um fenômeno da arte moderna contemporânea com suas instalações de lixo e suas esculturas de laranja lima que faziam qualquer critico de arte se sentir incomodado joão mateus era a estrela das bienais das revistas caras das tvs a cabo e joão mateus parecia uma estrela com suas roupas engraçadas e seu óculos de aro preto seu cabelo mal cortado e seu tênis azul que pisava nos tapetes vermelhos da arte contemporânea e brilhava em suas individuais com sua cara blasé em entrevistas monossilábicas com palavras de efeito difíceis tudo era “desconstruir” “ousar” “romper” “paradigmas” joão mateus posava de gênio e era acariciado..



flashes voltados
as vanguardas
atônitas
curadorias espetáculo

deslizes premiados palavrórios construídos

curadoria colegiada
desacerto
finjo que sei ou não
tudo é obra de arte
(de dois em dois anos)
a tudo louva-se
tudo é obra do mestre

menos o mestre de obra

26.7.10

SANTA GULA

santa fome sacro pão saco de bala

vai na mão, não abre olho, só adorna pé.

é cor
é hype
é nude
é patricinha balonê
é sujinha démodé
é neo-hippie no salão.

se faz cor altera o céu.
lendo quadrinhos penetra o personagem; dá cor.
no violão enfeita acorde.
no marido enfrenta a corda.

é gula, gulag, gola, gole, golfo
vontade acima a santa missão
satisfação acima missa santa.

é nada santa, sainha curta
sandália-salto, alto falo.

é mãozinha segurando, vodka com energético.

Foto by Grenphex - Original aqui!

6.7.10

Bilhete

desculpe o rompante, assim cedo,
é parte de mim chegar e sair.
sempre, à forma me ergui, a sair de mim
em meio às minhas falácias e flores

nada pessoal, mas existem lábios
criados pra se manterem distantes.

um poeta é um perdedor a procurar gnoses
nos escombros de uma vida atribulada.
este bilhete que fica, na porta da geladeira
no espelho, manuscrito em batom,
na poeira riscada da velha cômoda
nas gotículas de calor da janela do quarto
na beira, pendurado, balançando os pés ao infinito
na fúria de teu despertar sincero,
este bilhete, que apenas fica.
deixo-te a dormir, lendo meus manuscritos.
me faz bem.
e retorno a minha casa,
na esperança que um dia entenda
por que parti.
assim


Foto gentilmente "cedida" por Maximiliano Thomas, um argentino nota dez. Original aqui.

5.7.10

Sentido

já fui de promover furacões,
dobrar esquinas a grito.

já gritei contra as cores da moda,
a fazer de assunto, o botequim
quando ainda havia esperança.

entendiado hoje, sagaz amanhã
procuro sentido nas coisas mais
menos.

no semáforo que pisca amarelo
à madrugada.

no cheiro enjoativo, mas presente
do desinfetante da faxineira.

no pó de giz que circunda as costas
de todos casacos.

no way of life, vintage, old school
and more, de meus estrangeirismos.

na habanera cubana proto-tango
proto samba. Pronto, sempre.

nas lágrimas do primeiro gole
da Coca Cola.

Na barba de Haroldo de Campos,
tão branca e bela.

Na expressão doentia de um Felipe Melo,
que pisa no pipoqueiro holandês.

No semba, zamba, que origina o samba,
e eu sempre vou.

quando provocava furacões
eu era menos observador,
e hoje o sentido, faz jus a palavra.

a febre
a fibra
o toque
o friso


nada disso mais
é literatura.

13.6.10

Tic Tac

minha bala tic
tac frenética

indica o ritmo intenso

que conto as horas (tic
tac) do relógio quebra-
do; pra te encontrar

teu cheiro de menta
anestesia o gosto ruim
de saudade

é NOIZE!

A grande festa de música eletrônica de Juiz de Fora.


Noize
Dj's Jota Jota, Kureb, Moa.
Live Show ZEMARIA.
19 de junho, 23h, Privilege.

10.6.10

J. Enigmática

(é verão. as fotos espalhadas pelo chão. ventiladores ligados espalhando a poeira da casa esquecida. louças a lavar. correspondências que nunca serão abertas. bijuterias perdidas que nunca reverão as donas. um pé de sapato. um grampo de cabelo. o porta retrato está quebrado. foi você, eu me lembro)

J. cruzou a sala sem falar comigo
a arranhar o assoalho
com seus pés de fogo.

largou o casaco rosa-sintético no sofá,
e pediu uma dose.
(antes que eu negasse
serviu-se em gesto bruto)

ajeitou a franja feito esperança,
a mascar seu chicletes .

- Eu sei que você me odeia.

(e) manda que eu prepare suas malas
e a embarque no primeiro ônibus.

[guardando na mala suas vontades,
seus poucos anos,
suas infrações adolescentes,
aflições, sessões de análise,
teu par de sandálias, e mais nada]

J. sempre chorou à toa
mas rasgar babado do vestido
de petit pois é novo.

bate no peito a arranhar colo
avermelhar as tatuagens com as unhas
de esmalte vermelho, a dizer asmática:

- Eu não mereço, mas eu vou, calhorda! 

6.6.10

1

Sobrara apenas o dissabor de encher os olhos com a cena da sala.
Dezenas de olhos presentes não percebiam as paredes mal-caiadas e os buracos na telha. Só o pó solitário sobrava nos cantos e se acomodava com o vento a penetrar por entre as frestas da porta quebrada. As janelas que haviam, cerradas. O pai de todos espalmava mãos velhas como se fechasse o rosto. Bebia o café e não mais se importava em fechar os últimos botões da velha camisa, deixava transparecer a cor amorenada do sol e as rugas da lida, o peito a guardar costelas aparentes, a magreza de sempre. Não se barbeara naquela manhã por que decidira nunca mais se barbear, e o rosto agora evidenciava os cabelos brancos que o chapéu escondera a vida toda.
Lá fora se formava uma fila extensa de resignados a caminhar lentamente, passo a passo em direção a porta quebrada, que agora estava aberta, convidando todos a entrada. A multidão em silêncio orava palavras incompreensíveis entre os dentes como se confidenciassem seus próprios pecados. Mas a maior parte das crianças, essas brincavam como se nada acontecera. Corriam e gritavam pela pequena capoeira verde que fazia sombra, no chão, e entre os galhos ressecados e os troncos derrubados para fazer mais um curtume. Brincadeiras de pique-pega. Alguns exibiam contas de vidro, outros porretes de dar em cabeça de cotia. Os menores de todos, mais santos, traziam, orientados pelos pais, terços benzidos, e vestiam branco a emular anjinhos do céu. Esses pequenos predestinados a guardar almas em dias difíceis vinham na frente conduzidos pelas madrinhas batismais. Vinham acalentar almas injuriadas e guardar a alma do morto.
O pai de todos encontrava-se agora sentado na velha banqueta no canto da sala. Conservava os olhos tristes e o olhar parado como se sentisse sono. Uma a uma, as crianças foram entrando. A primeira entregou a ele uma vela branca comprida para ascender a alma do morto. A segunda, trouxe um manto lilás com o nome do respectivo e a inscrição de um santo de sua devoção. A terceira trouxe um abraço que o mais velho de todos recebeu, ainda indiferente. Posicionaram-se a esquerda da mesa de se fazer refeições, que agora se encontrava próxima a janela e não mais ao centro, e em cima da mesa um café fraco e doce exalava aroma bom, mas ninguém ainda tivera tido coragem de se servir. Havia algumas quitandas do dia anterior. A mãe nunca ousaria deixar as visitas sem algo de comer, mas não restaram forças para fazer as fornadas de delícias frescas para o dia tão fatídico.
No centro da sala havia um caixão dos mais simples. Pura madeira a guardar o corpo de um jovem.

5.6.10

3 poemas manjados pela ocasião do aniversário desta cidade

Princesinha Hype


bom dia princesa de minas,
me responda no sotaque adequado
não me deixe mais cabisbaixo de tanto torpor
te sinto meio cansada, pouco alucinada
sufocada pela fumaça
pela tristeza
princesinha hype
te imagino uma linda descolada
de botas e cartucheira querendo dançar
por 48 horas sem parar
vamos juntos minha nobre senhora
exorcizar a caretice
vamos bailar pelas ruas
por seus bares
seus monumentos

vamos juntos profanar todos medos
descobrir anseios
destampar os seios
para abalar seus primos chatos
vamos acampar no parque halfeld
aproveitar o dia e a noite

para curtir o amanhecer
e esquecer
de tudo que passou




ANATOMIA DA CIDADE


a cidade irresistível
se oferta com seus
pares de coxas de botecos
sem roupa
e sua espinha dorsal do calçadão
seus braços a São João

seus cabelos a Marechal
e eu, marginal
prefiro a Galeria dos Previdenciários
ao Marechal Center
(tiro os óculos escuros e por lá
passo olhando as pessoas nas filas)

o sedutor umbigo desta
mulher, juiz de fora
mora na praça da estação
à cinqüenta metros
do Bar do Vágner
parte iluminada
perfumada
exaltada

e se ousas ultrapassar a ponte
chega à púbis
entrada da zona leste
onde reside a vida
de fato nos pagodes
e bailes funk
nos muros decorados pelos
grafites

e à muitos quilômetros
está minha zona norte
que vívida na cidade
a impulsionar a libido
deste corpo,
ficou sem adjetivação nesta poesia.



JÁ PASSOU A HORA


eu queria mesmo era ver
Murilo Mendes trôpego
nas ruas desta cidade
subindo pro Vitorino
vestindo um short
afinal life is short
e na tradução de Geraldinho
life is short significa
“a vida é um shortinho”

queria eu na verdade
botar Belmiro Braga na roda
fazer uma rave na roça
enxarcá-lo de incertezas fazê-lo
declamar poesias
cometer heresias

é passada a hora meus caros
de arrombar a porta da academia mineira
de letras
pra deleite
dos letreiros
pra desespero dos leiteiros
que sofrerão com a universalização
da cachaça diária anti-lactente

bota o poeta em cima da mesa
bota o ovo de colombo da palavra em verso
e choca toda essa farra pra ver
se sara
essa cidade carente

meu parceiro, insisto
(já que sou assim inconveniente)
essa cidade já passou
da hora
de ir embora de si mesma

28.5.10

Recife

moçada-pele-vermelha não há,
a se escaldar no calçadão.

é brega.

é sotaque. é antigo. é tapioca.
a fina flor - brasilidade.

ponto de encontro aceita tudo,
é céu, é porsche, é loja.

guaiamum-do.
cachaça. a enfeitar miami-holanda.

(existem rios mangues praças bares. onde se bebe o destilado)

afeito aos ares do sudeste
estranha narina e repele
o bafo quente.

desfeito sonhos, se oferecem
a desejar tudo de novo
embaixo das pontes.

Capi-bebê, o ribe. é língua de índio. é papo de indie.
e o pôr do sol, é bolo de rolo.

14.5.10

De passagem por Fruta de Leite

a plantação era de beira
feito água-sal,
embarca dia.

a faca-fina, fia-couro
em-bainha a rasgar saia
[de seda...]

é flor de menina. é roubo de vila.
é tiro de sal. é pau de goiabeira.

açude é pouco, a sede afoita,
e manda beijo-benze a santa veste.

[de seda]

de passagens-passageiros
a rodarmundo, rodar'arte.

e no breu, cavaleiro
é só espora.

22.4.10

Duas poesias.

Minha cidade

a minha cidade são as galerias
os lugares secretos, a cerveja.

nauta, na urbe que se estende aos meus pés,
atravesso pontes que levam a catástrofes.

tateando entre ruas empoçadas, há vida
ainda que letífero, ronda o sentimento de deixar-te

avesso a policultura prefiro a Póliscultura das
suas promíscuas artes, já que sendo poeta
nada tenha a herdar.



GABRIELA

Gabi perdia a hora todo dia santo
devido ao comportamento nada-santo
que repetia todo santo dia

23.2.10

saudades do ATR-42

de cima o céu, soma
a sumo aponta a flor
em sol, raios, poeira

é Montes Claros.

poltrona flutuadora
não reclina, leve manta
não perdoa,
ar condicionado.

Mais belo que'o verde
entrerrio'cortado
é só Fruta de Leite.




*o diário do nordeste nunca fica pronto. mas vai ficar. aí ele volta.

16.12.09

FIANDO PERFUMES (ou versos a respeito da arte de ser uma ninfa)

flor a fio terna idade não explica.
fio a flor feito crochê das maldades

eu sei que tu manja

o sutil andar delega a nós ambição
sobe dúvida: quantos anos tem?

te abraço a sentir cheiros, perfumes.

odores denunciam maturidade
braços mãos a correr em pele
besuntada em óleo santo. hidratante.

toma cervejinha escondida,
RG falsificado.

corpo cresce em descompasso
pés e mãos vão a frente
conserva nos pulsos e garganta
a fragrância da moda.

e a pele, ó, a pele
serve capa e contracapa
pr’um’alma sorridente.

mas teu aparelho ortodôntico
insiste em desfiar meu manto de lã
sorrindo desconversa, afoita

vestindo blusinha de colegial.

11.12.09

Luiza e Miguel

o qui'ontem era pura galhardia
fez hoje nuvem espessa, sono

assunto a assombro, feito galho
a sombra. abeira, beira, esquece

estúpido.

Luiza não quer mais amar Miguel
rejeita seu hedonismo, suas cartas
["filosofia" das folhas velhas] e
promete: não mais atender
seus telefonemas.

8.12.09

De volta à Salinas



“Para isso a lua não era boa. Quem põe praça de cavalhadas, por desbarranco de estradas lamentas, desmancho empapado de chão, a chuva anda enxaguando? Convinha esperar regras d’água. ‘O Rio Paracatu está cheio...’ alguém disse. Mas Zé Bebelo atalhou: ‘O São Francisco é maior...’ Com ele tudo era assim, extravagável; e não queria conversas de cutilquê. Rompemos. Melava de chover baixo, mimelava.” (Grande sertão: veredas – João Guimarães Rosa)


[Sábado, dia 5 de dezembro]


Juiz de Fora padeceu em sol quente pelas últimas semanas. Porém resolveu presentear-nos com chuva gelada no final de semana. Isso tornou ainda mais complicada a missão de levantar da cama às cinco da manhã. Como já não tinha dormido o suficiente, não foi difícil. Por sorte resolvi levar uma blusa de manga comprida. Foi vital para garantir que não passasse frio na ida até BH. Cada vez mais me surpreendo com os motoristas. O que me levou até BH era praticamente um geek. No carro havia um GPS falante, no porta luva um PSP com inúmeros gigas de games. Ele me contou que em casa tinha um Play Station, mas que no fundo ele queria um X-Box. Diverti-me com o papo.

Cheguei com antecedência na Pampulha, por volta das nove da manhã. Fui tomar um extorsivo café: espresso, pão de queijo e um muffin de chocolate. Total: nove reais e quarenta centavos. Para passar o tempo fui a uma livraria/revistaria muito aconchegante situada no aeroporto. Resolvi comprar uma revista Trip. Há anos que não compro uma, desde que deixaram de vir com CDs. Na capa, a Trip Girl: Cléo Pires. Acho essa menina uma nova Leila Diniz, no que concerne a beleza, claro.


Vôo marcado para as onze horas, chuva caindo. Check-in feito. Vinte minutos antes resolvo ir para a sala de embarque e ao chegar lá descubro que o vôo das oito ainda nem havia saído. Resumo: previsão de atraso de duas horas e meia para meu embarque. A causa: aeroporto de Montes Claros fechado.

Aguardei pacientemente, assistindo pessoas se irritando e descontando a raiva nos funcionários da Trip. O tempo melhorou e podemos decolar uma hora antes do previsto. Quinze minutos tranqüilos de vôo. Inicia-se o serviço de bordo. Confesso: sou fã do sanduíche de pão sírio com catupiry e peito de peru da Trip. Faltavam apenas duas pessoas para serem servidas antes de mim, quando de repente, alerta luminoso para todos se sentarem, colocarem assentos na vertical e apertarem os cintos. Cinco minutos depois o aviso do comandante: devido a problemas meteorológicos suspenderam o serviço de bordo. Dancei no sanduba.


Desci em Montes Claros e depois de dez minutos lá estava meu motorista. Um cara muito gente fina. Mais um ótimo papo enquanto cruzávamos 230km através da BR-251 com muita chuva. A paisagem estava mais bonita. Porém cada vez menos buritizeiros e cada vez mais eucaliptos. No caminho contei 82 caminhões ultrapassados. Três deles tombados ao longo da estrada. Meu motorista falou que é normal. Essa movimentação se explica: a 251 dá acesso a 116, conhecida por Rio-Bahia.

Chegamos em Salinas por volta das cinco da tarde. Eu estava faminto e resolvi almoçar num local que já conhecia. Um simpático restaurante chamado Bacaninha. Meu prato predileto na casa é a “Picanha a Bacaninha”: três bifes de picanha, tropeiro, fritas e arroz. Maravilha!

Depois de um papo com colegas trabalho por telefone me hospedei e marquei com o motorista de nos reencontrarmos as nove para uma volta pela cidade. A chuva atrapalhou um pouco o movimento, mas a praça estava lotada para a exibição de um filme. Segundo o dono do hotel em que me hospedo, costuma chover em Salinas apenas 800mm por ano. Somente neste fim de semana já havia chovido isso.

Por fim, carro guardado, resolvemos tomar uma cervejinha e comer uma isca de filé de peixe. Batemos um bom papo e descobri algo que nunca imaginaria. O motorista me contou que em Montes Claros poucas pessoas conhecem Beto Guedes e menos pessoas ainda dão algum valor para o fato dele ser de lá. Ele se surpreendeu com meu fanatismo pelo cara. Ficou satisfeito.

Dormi as onze em ponto.


[Domingo, 6 de dezembro]


Acordei às seis e meia da manhã, tomei um banho revigorante, ajeitei todo material de trabalho e fui tomar café. Uma das coisas mais gostosas de Salinas é o queijo cozido. É próximo da mussarela, porém melhor. Comi feito um rei. As sete e vinte encontrei com o motorista que me levou ao pólo. Lá encontrei as tutoras presenciais e fomos organizar o espaço para aplicar as provas.

Fico cada dia mais impressionado com a força dessas pessoas. Essas mulheres do pólo se dedicam de forma incrível ao projeto. Algo encantador. Sem essas pessoas seria impossível fazer qualquer trabalho de qualidade.

Sou sempre bem recebido em Salinas. Sinto um carinho e respeito pelo trabalho que desenvolvemos. Um momento de renovação do amor pela educação.

Nossas alunas que vieram fazer prova vem de Salinas e de locais mais distantes, algumas percorrem até mesmo 90km para chegar ao pólo. Com a chuva a dificuldade fica ainda maior, já que às vezes é necessário atravessar rios, estradas de chão, e, diga-se de passagem, na maioria das vezes não existe transporte coletivo. Já ouvi história de alunas que fazem parte do trecho à cavalo e depois de barco.

Uma aluna, que estava grávida de quase nove meses na última vez que estive lá, e caminhava com dificuldade devido a barriga, agora trazia uma linda menina ao colo. Que sinal maravilhoso de persistência! Todos sabem que sou emotivo. Nessas horas quase me escondo para evitar derramar lágrimas por aí.


Tudo correu bem. Provas aplicadas, envelopes lacrados, abraços, beijos e despedidas. Creio que mais uma vez não fui suficientemente enfático na minha satisfação com o trabalho das tutoras presenciais. Ganhei uma garrafa de Salinas da Dri! Ela é ótima, nunca se esquece de mim...

Almoço no “Fofocas Bar e Restaurante”. Ponto forte de Salinas: comida boa por um preço justo. Churrasco maravilhoso! E Coca-Cola de 1 litro. Essa ainda não chegou em Juiz de Fora...

Infelizmente desta vez não tive tempo de comprar cachaças.

Pegamos estrada sem chuva e fizemos uma boa viagem. Falta de novidade: mais três caminhões tombados na estrada.


No aeroporto de Montes Claros fiz o check-in e fui para o restaurante, tomar uma Bohemia e assistir ao menos o primeiro tempo dos jogos finais do Brasileirão. Por um momento acreditei que o Flamengo ia entregar o título. Vibrei com o gol do Flu e baixei minha bola no empate do Coritiba.

O vôo para BH foi tranqüilo. Fazia sol quando decolamos e a vista estava linda. Finas camadas de nuvens imitavam a superfície do mar, enquanto o sol parecia acomodar-se para o poente.

Com Beto Guedes na cabeça e com aquela paisagem vista lá do alto me lembrei da música dele, com Toninho Horta, Novelli e Danilo Caymmi:


Belo Horizonte,

Montes Claros, meu segredo

Marcado pelo som que vem do mato.

Mato horizontes

Fundos claros, contra o medo

E nada tenho a ver

Quero a palavra errada,

Quero a hora certa de chegar


E cheguei à BH (dessa vez comi o sanduba da Trip!). Descobri que o Flu se salvou e fiquei feliz. Meu motorista chegou e pegamos a estrada, desta vez com muita chuva. O papo descontraído ajudou o tempo passar. Paramos na Vaquinha da Nevada, comemos e batemos um papo gostoso com os funcionários.

Cheguei em Juiz de Fora por volta das onze da noite. Havia 37 horas que eu tinha saído de casa. Destas 37, passei 20 em Salinas, e 17 em trânsito. Voltarei à Salinas? Não sei, afinal não depende só de mim.


Sei que a cidade já faz parte da minha vida. E como diz Guimarães Rosa “mas quem sabe o que é viver? Viver é etcétera...”.

1.12.09

é tudo nosso

ECO PERFORMANCES POÉTICAS

Nesta quinta-feira, as 20:30, no Mezcla, entrada franca.
Com: Tiago Rattes, Anderson Pires e André Capilé.


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