26.2.12

vestido branco - final (+18)


O homem gordo e de bigode falava pausadamente com um sotaque que não parecia portenho. De minuto em minuto ajeitava os pesados óculos velhos que lhe davam um ar vintage. Parecia um personagem saído dos anos 70.
“a crítica literária em toda América e em muitos casos na Europa tem sido tomada pelo mesmo espírito infantil que queria que ela desaparecesse. Se por um lado, há tempos, pós-modernos clamavam pelo fim da crítica alegando que a mesma não poderia sobreviver se apoiando em conceitos, hoje o que vemos é um discurso relativista mas apoiado tão somente em conceitos. Veja o caso da crítica a Cortázar, muito comum em meios acadêmicos. Se apóia  em argumentos que não se sustentam. A própria crítica os ratifica sem perceber. Mas sejamos justos, exigir que a crítica literária seja precisa ou isenta é esquecer que hoje ela serve apenas aos interesses das editoras que não tem onde mais garantir a qualidade de seus novos quadros que não seja na validação e status quo da crítica em cadernos literários de jornais que só uma parcela da população lê. E claro, a ganância academicista. Para preencher currículos, ganhar amizades e poder, a crítica literária acadêmica insiste no discurso da refutação.”
Guilherme achava o discurso contundente do gordo um tanto quanto enfadonho. Advogava internamente em causa própria ao recebê-lo assim.

As pessoas na roda teceram comentários mais curtos, citaram passagens de livros de autores argentinos, uruguaios e brasileiros. Leram trechos de críticas em jornais e sites da América do Sul. Gabriela observava a conversa com um sorriso doce no rosto. Olhos em posição de reflexão e atenção.

Movimentava as sobrancelhas para demonstrar algum tipo de sentimento a mais. Terminada a rodada, indagou a ele, se não gostaria de dizer algo.

- É, eu gostaria apenas de agradecer pela possibilidade de estar aqui nessa tarde por acaso, e dizer que a experiência é muito rica, esse intercambio, é, entre, através,é, dos diversos olhares que temos da literatura, enfim... é isso.

Gabriela observava cada palavra dele com ar de descrença. Sorria cinicamente como se fosse capaz de refutar até mesmo o mero comentário formal de agradecimento dele.

Levantou-se e com os braços abertos encerrou o encontro, dizendo que o próximo seria marcado através de uma lista de emails.

Guilherme levantou-se em seguida, ajeitando a gola da camisa no intuito de respirar melhor. Depois dessa ampla experiência de constrangimento parecia suar mesmo debaixo do ar condicionado potente de El Ateneo.

As pessoas aos poucos foram se dirigindo à saída da livraria. Ele timidamente acompanhou.

A moça que deitara a cabeça no ombro de Gabriela era um típica portenha. Usava um vestido branco curto e relativamente transparente, chinelos Havaianas. Cabelos longos e frizados, e um – aos olhos de Guilherme – detestável rabo de cavalo de lado, uma espécie de obsessão das mulheres comuns de Buenos Aires. Magra, bonita, com as maçãs do rosto avermelhadas pelo sol, nariz alongado, olhos verdes. Uma mulher encantadora.

As duas se falavam frente a frente enquanto Guilherme se aproximava e quando ele pensou em se pronunciar, talvez dizer que iria embora, que foi um prazer te rever, as duas se abraçaram, trocaram palavras – era impossível compreender o que elas diziam pois estavam discorrendo um espanhol carregado na chamuya.

Ele parou a fim de evitar interromper uma conversa tão próxima.

As duas cessaram a conversa, sorriram, e se despediram com um leve, porém lento beijo nos lábios.
Guilherme ficou imóvel.

Gabriela observou a mulher ir embora lentamente e enfim, virou-se a ele.

- Hei, Chico!
- Olá, Gabriela.
- Me diga como está e por que voltou tão cedo à cidade? Confesso que estou surpresa.
- Problemas a resolver , relativos ao livro.
- Hum.
-Me diga, como você está?
-Vem que te conto.

Ela puxou-o pelo braço e ele reparou a tatuagem do pescoço. Letras simples e pequenas, caixa alta, com a expressão “Amantes Clandestinos”. Surpreso, deixou-se levar pelo braço, na certeza de que poderia estar sendo conduzido mais uma vez ao fundo de sua alma.
Saíram sentindo o bafo quente do calor. Ela ainda não soltara seu braço. Andaram um bom tempo pela Callao em silêncio. Ele observava seu cabelo, curto, estranhamente curto. Sentia uma mistura de acolhimento e pavor lhe percorrer a alma, mas era incapaz de dizer qualquer coisa.

- Que tal caminharmos um pouco e comermos alguma coisa?
- Pra mim, está ótimo.
- Ao Tortoni?
- Sim.

Andaram por cerca de 40 minutos. Desceram a Callao até encontrar a Corrientes. Lá ele observou a
movimentação dos teatros e cinemas, ela contou histórias de espetáculos que ali teria assistido. Sorriu muitas vezes, parecia bem.

Dobraram a Cerrito, próximo a Plaza de La Republica.

- Gabriela, essa tatuagem nova...
- Bonita, não é? Feita as pressas, mas bonita...

Dizia isso rindo.

- Sim, mas é que você...

Em um movimento súbito ela parou. Virou-se na direção dele, o pegou pelos dois braços, o encostou no poste mais próximo e olhou em seus olhos, dizendo em tom áspero, porém com um sorriso no rosto:

-
Uno
va internándose
en la fatiga horizontal que llega
a seducir los huesos
y el silencio
como si fuesen huéspedes fugaces
o amantes clandestinos.
Y un día
nos sorprende descubrirnos
dueños de una morada
abierta a la intemperie de toda soledad.
Vamos tendiéndonos
junto a nuestra sombra arropándonos con ella.
Hay un cambio de piel
que nos desnuda.
Y la fatiga invade.
Murmura otros idiomas
que no son extranjeros pero emplean
sin voz
otras palabras.
Para no herirnos.
Para no decirnos que hemos comenzado
a habitar el adiós
.

Guilherme permanecia quieto, imóvel. Hipnotizado pela voz e pelo poema.

- Ana Emilia Lahitte, Amantes Clandestinos.

Piscou e soltou seus braços.

- E o que significa para você?
- Uma cicatriz da última queda do trem.

Rapidamente estavam na Avenida de Mayo. Notava-se o dia se encerrando, pessoas saindo dos escritórios, trânsito intenso, e as mesas dos cafés se enchendo.

Chegaram ao Tortoni e se acomodaram. Ele pediu um refresco e um Hamburguesa. Ela, café latte e medialunas.

Por cerca de uma hora conversaram. Primeiro ele explicou com detalhes a situação do livro. Ela achou graça. Depois ele questionou o repentino desaparecimento dela, imprevisível mediante a tarde agradável do dia anterior. Ela disse coisas e mais coisas sobre a necessidade de submergir quando a superfície parece insólita. Tentou deixar claro que pouco havia relação com ele. Era uma decisão mais que tomada há tempos e que portanto não deveria ser tomada como um desleixo. Ele questionou por que não avisá-lo. Ela sorriu, disse que não deveria avisá-lo de cada passo. Mas que o bilhete era uma clara exceção de carinho e que ele deveria aceitar dessa forma. “E por que não um convite prévio, planejado? Por que eu acho que na verdade não queria você lá”. A conversa fluía tranqüila mas com sobressaltos. 

Guilherme sentia-se satisfeito com tanta sinceridade mas ao mesmo tempo incomodado com a despreocupação dela. O desprendimento. Perguntou pela banca e ela deu respostas evasivas sobre sua saída de lá, e explicou de forma muito metafórica o que seria seu novo trabalho.

- E a garota da livraria?

A expressão de Gabriela tornou-se menos alegre, porém não menos terna.

- É uma pessoa muito especial, eu diria que foi um grande amor. Chama-se Clara.
- Mas você viajou para vê-la?
- Não interessa.
- Vocês estão namorando?
-Também não interessa.

Ele, encostou-se novamente na cadeira, com a sensação de que não deveria insistir em perguntas desse tipo. Bebeu um ultimo gole de refresco. Olhou ao redor, percebeu os turistas, a movimentação.

- Ok. Vamos embora? Estou louco para fumar.

Caminharam fumando pela Avenida de Mayo. Alternando conversas triviais e momentos de silêncio. 

Pararam para ver por alguns minutos a apresentação de um artista de rua, na esquina com a Esmeralda. Algo muito próximo do folk, cantado em espanhol.

Caminharam um pouco mais até a Plaza de Mayo e mais uma vez ficaram frente a frente.

- Então, Gabriela, feliz em te ver. Mas tenho que ir para o apartamento. Amanhã gostaria de acordar cedo para tentar resolver essa situação.
- Vá ao seu apartamento, mude a data do vôo. Dificilmente você terá tempo hábil para resolver isso, tendo em vista o piquete. Tome um banho, relaxe, depois vá até o meu apartamento. Ficaria feliz em ter sua companhia.

Ele, mais uma vez se negou a tentar argumentar ou resistir.

- Por que não vai até o meu apartamento você? Já conhece o caminho....
- Não. Não gostei de lá.

Ela anotou o endereço e sumiu em direção ao subte. Ele pegou um táxi e rapidamente estava em Palermo.

Deitado na cama com o laptop no colo, Guilherme pensava o que fazer. Já havia conectado o smartphone ao PC para usá-lo como modem e navegava, ainda que com dificuldade. Trocou a data do retorno para daqui há cinco dias como quem compra uma passagem para o inferno.

Tomou um banho e por volta das dez da noite estava já em um táxi rumo ao apartamento de Gabriela.

O apartamento ficava em um pequeno prédio residencial em Colegiales, na Frederico Lacroze. 

Aparentemente um prédio dos anos sessenta, não muito bem conservado. Não havia porteiro e na entrada três gatos se enroscavam enquanto revezavam um pequeno porte de ração deixado por alguma alma boa. Os interfones ficavam dentro e eram alcançados com um pouco de esforço. Tocou errado duas vezes, devido a escuridão.

Subiu três lances de escada e ao fim do corredor aos poucos a luz que saia do apartamento indicava o caminho com maior facilidade. Gabriela o recebeu de short, uma camiseta branca e velha da banda The Cult. Descalça. Cabelos molhados. Parecia extremamente linda.

- Hola, Chico!

Ela o beijou no rosto e o conduziu ao interior do apartamento. Quarto, sala, uma cozinha pequena, área de serviço e banheiro. Na sala, um sofá velho dividia espaço com duas estantes abarrotadas de livros, um aparelho de som enorme e uma mesa cheia de papeis, com duas cadeiras. No canto haviam caixas, muitas. Aparentemente uma mudança que mal havia sido desfeita. Dali era possível ver que a cozinha tinha um fogão, armários embutidos e alguns utensílios delicadamente pendurados numa estante de canecas de todos os tipos.

- Sente-se, me perdoe a bagunça.
- Não se preocupe.
- Escolhe uma música pra gente.

Em meio aos discos ele só foi capaz de reconhecer Piazzolla. Resumiu a decisão dessa forma.

Tomaram algumas garrafas de Del Fin Del Mundo, jantaram milanesas e ensaladas, que Gabriela havia comprado num restaurante de sua predileção.

Levemente tontos, pareciam mais a vontade. Conversaram sobre inúmeras questões da vida. Ela a todo momento o provocava com suas alfinetadas doces sobre sua obra e a nueva geracion de escritores brasileiros. Ele, relevava, sentia-se confortável e tranqüilo.

Ela deitou-se no sofá e colocou os pés sobre ele. Lindos pés, claros, desenhados, delicados. Ele relutou em tocá-los. Observava seu rosto. Avermelhado pelo vinho. Ela o olhava atentamente Em silêncio ficaram. O cabelo ainda mais curto deixava seu rosto mais evidente. O olhar que o anestesiava era ainda mais direto e duro.

Ela percebia seu desconcerto e esboçava um sorriso, sempre.

Gabriela levantou-se do sofá, como de praxe, sem maiores cerimônias o puxou pelos braços e o conduziu até o quarto. Acendeu a luz. Era um quarto pequeno, apenas com uma cama de casal, mesa de cabeceira e um armário.

Jogou-o na cama e em seguida se colocou por cima dele. Beijaram-se por alguns minutos. Ele a tocou e deixou que ela o tocasse. Tiraram as roupas. Ela parecia mais linda do que nunca. Ficou de pé por uns segundos pois sabia que ele a observava. Caminhou em sua direção e o beijou, descendo lentamente com os lábios pelo seu corpo até chupá-lo intensamente. Apertava suas coxas e fazias movimentos fortes com a boca, permitindo que seu pênis tocasse sua garganta. Percebia que quase sufocava. Seu pescoço e rostos vermelhos denunciavam os momentos de falta de ar. Sua jugular saltava.

Ela apertou seu peito, com força, o arranhando.  Ela movimentava o corpo, lascivamente. Queria sair daquela posição extremamente excitante a fim de evitar gozar já naquele momento. Mas ela não permitiu. Ele sentiu jorrar forte. Surpreendeu-se, mas não teve forças, recostou-se. Enxugou algumas gotas de suor que haviam no rosto.

Ela por sua vez levantou-se e sorriu. Saiu do quarto e voltou. Sentou-se na cama de frente para ele, abraçando os joelhos. Ele sem reação permaneceu mudo.

Reiniciaram. Ela, como da primeira vez sentou-se em seu rosto e comandou tudo. Ele tentava coordenar a própria língua mas era impossível Sentia que ela estava molhada. Porém não conseguia definir seus caminhos. Ela o beijou mais uma vez e o tocou. Estava pronto. Desta vez ela o entregou a camisinha.

Quando ele mal terminara de a colocar, foi deitado de bruços de forma brusca. Aceitou. Não haveria mais limites a serem respeitados. Ali era o espaço onde ele não poderia esboçar reações a qualquer coisa que fugia dos sexo careta com que foi acostumado no eixo Rio-São Paulo.

Ela o chupou por trás intensamente. Uma experiência nova que a primeira vista poderia ser estranha. Mas foi prazerosa. Ela levou as mãos aos cabelos dele. Tocou, acariciou. E por fim, puxou forte arqueando sua coluna.

Ele sentia que nuca doía. Uma incomoda posição com a coluna dobrada. Sentia-se ridículo. Mas seguro.

Ela o beijou no rosto e falou em seu ouvido:

- Não se preocupe com nada, Chico.

Antes que ele pudesse interpretar a frase como um eventual gesto de carinho, sentiu um tranco no pescoço. O cheiro de couro. Tentou abaixar os olhos para entender, mas sentiu a pele queimar enquanto os ouvidos identificavam um som estranho. Em poucos segundos aquilo estava em seu pescoço e perceberam que estava sendo levemente sufocado. Ergueu uma mão, mas não tinha forças. Sentia que uma mão dela o acariciava por trás, enquanto a outra o sufocava com alguma coisa que El não identificara. Tentou dizer algo, mas a vista ficou turva e sentiu que iria desmaiar. Antes disso sentiu que ela o aliviara. Estava livre. Desesperadamente ficou de barriga para cima no intuito de retomar o ar. Ela sorria. Ele tinha uma ereção. Percebeu que foi sufocado por um cinto. Sentia-se desprotegido.

Pensou em perguntar o que era aquilo, mas ante disso Gabriela mais uma vez subiu em seu corpo e cavalgou forte, até que gozaram juntos.

Ainda não tinha forças para falar. Não tinha nada em mente para conversar mediante aquela experiência. 

Docemente violado e sufocado.

Adormeceu. Ouviu apenas o barulho do isqueiro dela, e sentiu um cheiro de cigarro.

Acordou com o barulho da rua às oito da manhã, sozinho na cama. Percebeu que ela estava acordada.

Levantou-se da cama e procurou um espelho no armário. Notara uma marca vermelha, forte no pescoço.

Antes de fechar a porta, observou suas roupas, cuidadosamente acomodadas, apesar de poucas.

- Ela não tem nenhum vestido branco. Vai entender...

Vestiu-se  e caminhou até a sala. Gabriela lia o La Nacion. Havia café e medialunas na mesa, além de algumas empanadas.

- hola, Chico!
- Olá.
- Dormiu bem?
- Sim, muito. Gabriela, olha, essa coisa do meu pesco..
- Então, tenho que resolver algumas coisas, se importa se sairmos assim tão cedo?
- Não. Tudo bem.

Tomaram o café em silêncio. Ela sorria, parecia que pensava em algo quando o olhava. Ele, resignado, tentava apenas viver aquele momento, depois de uma noite engimática.

Desceram as escadas do prédio de Colegiales. Lá fora, um belo e agitado dia.

Estava ele mais uma vez diante Gabriela. Disposto a dizer qualquer coisa que garantisse a continuidade daquela história.

- Gabriela, eu pensei muito naquilo que você me disse sobre o trem. Eu passei alguns dia no Rio e tive justamente essa sensação de que passo a vida a pular de vagão em vagão, e nunca tive certeza de que esse trem me leva para algum lugar.

- É. E isso não mudou, chico.
- Por que acha?
- Por que você veio aqui buscar teu livro. Garantir tua permanência em uma zona de conforto.
- Talvez.
- Olha, vou fazer minhas coisas. Se achar que deve, me procura.
- Ok.

E Gabriela foi embora.

Ele resolveu caminhar até Palermo, para ter tempo de pensar. Mas nada muito lógico parecia se articular em sua cabeça. Buscou a documentação e foi até o correio tentar mais uma vez retirar sua encomenda.

Na porta da agencia não havia maiores movimentações e o local parecia funcionar ainda que de forma precária. Entrou e depois de muito tempo de argumentação e de ter que quase implorar ao líder dos piqueteros  conseguiu reaver sua encomenda. Simples. Para seu espanto.

Seguiu para o apartamento de Palermo em um táxi e passou o resto do dia escrevendo e refletindo sobre os acontecimentos do último dia. Sabia que pouco teria como mudar algum rumo na sua vida, ainda que mínimo. Tomou alguns comprimidos e deitou-se as nove horas da noite. Acordou meio dia, com uma sensação enorme de ressaca.

Não havia o que mudar, mas não se permitira mais evitar o contato. Estava disposto ao menos de ter Gabriela na medida possível. Aceitar os riscos de ser tocado como nunca, de se aventurar de forma que até mesmo sua integridade física e emocional pudesse ser abalada. Ainda que isso lhe custasse atordoar ainda mais sua existência no Brasil.

Caminhou até o restaurante mais próximo por volta de duas horas e almoçou. De lá seguiu até Colegiales, disposto a estar com Gabriela pelo menos mais uma vez naquela estada em Buenos Aires.

Enquanto cruzava a Zapiola, acendia um cigarro após o outro. E tentava buscar palavras que lhe permitissem fazer entender-se.

Tocou o interfone. Não obteve resposta. Insistiu, mas parecia inútil. Aguardou alguns minutos. Uma moradora saía, e ele aproveitou para subir.

Na porta, um pequeno aviso ao zelador dizia que as correspondências deveriam ser enviadas para um endereço em Belgrano.

- As caixas. Poucos móveis. Uma mudança. Mais uma vez, sem avisos.

Anotou o endereço e foi até um kiosko na Jorge Newberry. Com muito custo conseguiu ter acesso a uma lista de telefones. Identificou o número pelo endereço e ligou. Do outro lado, uma voz de mulher, seca e ríspida o atendeu.

- Alô.
- Boa tarde, desculpe-me o incômodo. Gostaria de falar com Gabriela, é esse número?
- Sim. Mas ela não está.
- Perdão, com quem eu falo.
- Clara.

Sim. Tudo faria sentido.

- Ela foi buscar a filha na escola. Deve voltar mais tarde. Algum recado.
- Não... obrigado.

Desligou. Caminhou pelas ruas de Colegiales, errando ruas, até chegar em Palermo, sem ter a capacidade articular nenhum pensamento. Apenas detinha-se na certeza de que nunca seria capaz de ter qualquer tipo de controle sobre a realidade que o cercava e ao mesmo tempo o ignorava.

Lembrou que sua mãe nunca lera um livro seu. Estava sempre atarefada e não se interessava por literatura. Pensou em Thais. Mariana. No Rio. Pensou em São Paulo, sua zona total de conforto.
Pensou que seria talvez  o momento de ligar para a ex-namorada, resolver os imbróglios, casar-se, ter filhos, levar uma vida convencional.

No apartamento, conectou-se a internet e no site da TAM percebeu que seria impossível trocar a data da passagem.

Pensou em quantas coisas seria capaz de viver sem conhecer. Quantas vezes seria capaz de conhecer e re-conhecer Gabriela. Quanto valeria para si a experiência indubitável de não ter nenhum poder sobre uma mulher ser incapaz de solicitá-lo.

Ainda sob efeito de fortes dores no estomago e na nuca, com as mãos levemente tremulas, resolveu que 
deveria comprar um assento no vôo da TAM daquele mesmo dia. Tempo viável. Juntou as poucas roupas que havia tirado da mala. Salvou as alterações no arquivo e guardou o pendrive no bolso para evitar qualquer sentimento ruim.

Já na calçada, aguardando o táxi, parecia que nenhuma mulher de Buenos Aires usava um vestido branco.

E sua última lembrança da cidade seriam os verdes campos de Ezeiza.


25.2.12

vestido branco - parte 4



Guilherme entrou no quarto, seguido de Mariana que tentava entender o que havia acontecido. Sentou-se na cama, trouxe as mãos espalmados ao rosto, respirou fundo e assim permaneceu tentando imaginar o que teria acontecido efetivamente. Ela caminhou devagar pelo quarto, exibindo uma face de preocupação e confusão. Sentou-se ao lado dele.

- O que houve, Guilherme? Fala comigo.
 
Ele sem tirar as mãos do rosto.
 
- Nada, Mariana, apenas um problema muito sério.
- Ei, lindo, eu tô aqui, posso te ajudar em alguma coisa.
 
Por um segundo ele sentiu o rosto queimar. A ansiedade gerada pela situação o colocava em um patamar de irritação acima do normal. Sentiu mais uma vez o suor descer pelo rosto e a nuca doer. Em tom ríspido e agressivo, elevou o tom de voz.
 
- Olha Mariana vou te dizer mais uma vez, não há nada que você possa fazer, ok? Você não deveria estar aqui, então por favor, não me crie mais problemas que eu já tenho.
 
Ela ouviu cada palavra com atenção, levantou-se da cama e sentou no chão, encostando o corpo na parede oposta. Abraçou os joelhos e ficou em silêncio. Apenas observando os movimentos dele.
 
Ele abriu o laptop, conectou-se ao Skype e ao mesmo tempo buscava fazer uma ligação através do aparelho celular. Parecia não obter sucesso. Andava de um lado ao outro do quarto. Demonstrava extrema preocupação. Entrou e saiu do banheiro duas vezes, lavou o rosto. Tirou e colocou o tênis, abriu e fechou janelas. Depois de quase trinta minutos de movimentos frenéticos sentou-se novamente na cama. Observou Mariana. Parecia uma criança assustada, mas que assim como as crianças, mesmo depois de broncas aguardam o perdão e a complacência.
 
- Ei, sai do chão. Senta aqui em cima.
Ela ergue-se sem pestanejar Abriu a bolsa e tirou algo.
- Quer fumar um?
- Sim.
 
Fumaram durante algumas horas. Ele explicou a história por alto. Ela não parecia mais a menina falante e excitada do filme. Ouvia e fazia gestos com a cabeça. Adormeceram ali mesmo. Os dois na cama, cada um virado para um lado.
 
Às oito da manhã Guilherme levantou-se e foi direto para o telefone. Com medo de maiores dificuldades de comunicação usou o telefone do hotel. Conseguiu contato logo de primeiro com a portaria do prédio de Palermo. O porteiro, o mesmo que havia deixado o recado anteriormente não estava, mas foi logo encontrado por rádio e explicou a situação.
 
A encomenda estava retida em uma agencia dos correios em Buenos Aires por um erro de endereço. Porém um imbróglio estava formado. O remetente era o próprio Guilherme. Sendo assim, ele mesmo teria que retirá-lo. Tentou argumentar sobre a possibilidade de enviar uma autorização para que outra pessoa o fizesse. Porém rapidamente foi explicado que em casos de encomendas que contém algo considerado de valor para destino internacional, apenas o remetente poderia retirar. Existia uma possibilidade de terceiros retirarem a encomenda, mas seria um processo relativamente longo e incerto.
 
Guilherme desligou, prometendo ligar novamente. Sentou-se na cadeira que havia junto a mesa do quarto e colocou os olhos ao horizonte através da janela. Sentia-se uma vítima de uma conspiração astral, do júbilo da má sorte. Impossível acreditar que teria que fazer uma viagem apenas para buscar um simples pendrive. Mas tratava-se de um trabalho definido. Clausulas contratuais, inúmeras viagens, jantares, e outros mimos proporcionados por uma editora. Uma quebra significaria um prejuízo material e de prestigio incríveis. Talvez um fim de uma carreira.
 
Resolveu não tomar nenhuma decisão. Acordou Mariana e juntos desceram para tomar café no hotel.
 
Por volta das dez da manhã telefonou para sua agente. Explicou detalhadamente a situação, e perguntou qual seria a possibilidade de atrasar em alguns dias a entrega dos originais. Ouviu um sonoro “não” e muitos conselhos sobre os riscos de isso se perder em algum lugar na bagunça dos correios de Buenos Aires. Por fim, ela deixou claro que gastos com passagem era um mal menor, bastava ele as comprar e seria reembolsado. Que deveria logo buscar o livro.
 
Derrota. Mais uma vez, ir a Buenos Aires.

Entrou no site da TAM e conseguiu comprar passagens para o dia seguinte, com intervalo de volta em dois dias. Era o suficiente para buscar o pendrive e retornar ao Brasil. Fazia isso como se estivesse encomendando a si próprio um castigo.
 
Mariana ainda estava lá. Apenas observava.
 
- Bom, Mariana, eu vou ter que resolver algumas coisas, desculpa não poder mais te dar atenção.
- Não tem problema. Me liga quando voltar?
- Sim.
 
Despediram-se com beijos no rosto.
Ele fez as malas rapidamente. Desceu para almoçar no próprio hotel e passou o resto do dia trancado no quarto.  Tentando domar seus demônios.

Luas, marfins, instrumentos e rosas,
Traços de Dúrer, lampiões austeros,
Nove algarismos e o cambiante zero,
Devo fingir que existem essas coisas.
Fingir que no passado aconteceram
Persépolis e Roma e que uma areia
Subtil mediu a sorte dessa ameia
Que os séculos de ferro desfizeram.
Devo fingir as armas e a pira
Da epopéia e os pesados mares
Que corroem da terra os vãos pilares.
Devo fingir que há outros. É mentira.
Só tu existes. Minha desventura,
Minha ventura, inesgotável, pura.
(O apaixonado - Jorge Luis Borges)



Os verdes campos que cercam Ezeiza. Uma fixação. O calor abafado da cidade. Um pavor. Olhos cansados de noites péssimas tendo que coordenar na mente a confusão de turistas falando diversos idiomas e taxistas disputando sua preferência quase no tapa. Serviço de mala. Folders de turismo. 

Confusão.
 
Se na vinda anterior a sensação era estranha, desta vez era péssima. Não se tratava mais da cidade que ele não gostava. Era a cidade que havia o expelido. Surrado. Mas nada poderia ser pior ou dar errado. O máximo de transtorno seria aturar um longo debate com um funcionário dos correios. Buenos Aires, seu transporte público irritante. Suas pessoas convictas e informadas. Seu cafés decadentes. Seu povo cheio de si.
 
Solicitou o mesmo serviço de táxi. Para ter certeza de que não perderia um minuto, pediu que o levasse direto na agência dos correios localizada na Avenida de Mayo. Não teria sossego enquanto não retira-se o pendrive e retornasse ao Brasil.
 
Em pouco mais de 40 minutos estavam no centro.  O trânsito estava interrompido no trecho adiante. Imaginou que poderia ser um tradicional piquete, corriqueiro na cidade. Notou pelo número que precisaria andar apenas alguns metros e resolveu descer ali mesmo. Pegou a mala e seguiu andando pelas castigadas calçadas.
 
Ao chegar na porta da agência percebeu que a situação tornara-se muito mais grave e surreal. Tratava-se de um piquete na própria agência. Os trabalhadores dos correios ameaçavam uma greve por tempo indeterminado. Tentou trocar algumas palavras com um daqueles que parecia ser a liderança do movimento. O máximo que conseguiu foi entender que a agência não abriria mais naquele dia. Tentou explicar sua situação mas foi engolido pela confusão de pessoas que se amontoavam na porta. 
Repórteres, populares, transeuntes. Calor.
 
Sentiu-se mal.
 
Percebeu que era inútil qualquer diálogo. Escapou da multidão e dirigiu-se a esquina onde era mais fácil pegar outro táxi. Rapidamente conseguiu.
 
- Para Palermo, por favor.
 
A cada minuto do trajeto entre o centro e Palermo sentia-se oprimido, sufocado. Previa que abrir as portas do apartamento seria algo assustador, angustiante. Um poço de lembranças onde a possibilidade de sair ileso e sem maiores ferimentos seria mínimo.
 
Puxou assunto com o taxista sobre o piquete dos correios. O motorista parecia não muito interessado em dar algum tipo de informação relevante. Portenhos.
 
Pagou a corrida e adentrou na portaria do prédio. Deparou-se com um porteiro folguista. Identificou-se e desistiu de qualquer tipo de contato, indo direto ao apartamento.
 
A sensação de abrir o apartamento não pareceu de imediato tão ruim. Estava tudo no mesmo lugar como sempre. A primeira vista era possível até mesmo dimensionar lembranças interessantes. A máquina de café espresso, o forno elétrico. O chapeleiro com espelho do quarto, que remetia a doce e atordoante imagem de Gabriela gozando sozinha e sem a necessidade de maiores ações dele. O Sofá empoeirado.
 
Abriu as janelas, largou a mala no canto da copa, sentou-se à mesa e acendeu um cigarro. Observou que o sol parecia mais forte e claro que nunca. Tinha areia nos olhos e uma incrível sensação de cansaço. Como se acordasse de um intenso sonho e ainda não tivesse total certeza sobre estar acordado.
Sentiu vontade de rir e ao mesmo tempo de chorar.
 
Levantou-se e caminhou em direção ao quarto. Não iria desfazer as malas. Tirou as roupas e as jogou em um canto. Colocou uma camisa e uma calça limpas, calçou novamente o tênis e lembrou-se de colocar lençóis limpos na cama.
 
A tarde não havia terminado e ele estava ali com incertezas plenas.
 
Estava cansado mas sem sono para dormir. Ainda havia muito sol e claridade lá fora.
 
Resolveu que não haveria mal algum ir até El Ateneo comprar alguns livros e tomar um café. Relaxar em um paraíso de livros protegido pelo ar condicionado.
 
A única certeza era de que não passaria pela Santa Fé.
Caminhou pela avenida Honduras observando as pessoas. Abasteceu-se de cigarros e água num Kiosko e fez sinal para um táxi. Em 15 minutos estava na Callao.
 
Sentiu imenso alívio ao entrar na livraria. Lá fora as ruas eram castigadas por um calor de 36°. Seguiu até o café notava um silêncio agradável no lugar. Relativamente vazio. Poucas pessoas andavam entre as estantes. Retirou alguns livros de fotografia e arte, uma biografia de Borges, alguns livros sobre o futebol argentino e uma curiosa publicação que comparava Nestor Kischner com Lula.
 
No café, um grupo de pessoas formavam uma roda e pareciam conversar. Cada uma delas tinha um livro em suas mãos. Ao que tudo indicava mais uma daquelas enfadonhas rodas de conversa sobre literatura onde diletantes expressavam todo seu amor pela produção local. Percebeu que havia uma mesa mais ao canto e resolveu ocupá-la para que pudesse tomar seu café em paz.
 
Seus olhos se alinharam com o de uma mulher que estava bem no meio da roda. Tentou não dobrar os joelhos mediante a sensação de angustia e aflição. Era ela.
Poderia não ter reconhecido Gabriela. Os cabelos mais curtos do que antes. Um corte quase masculino delicadamente ajeitado com uma pomada. As roupas pareciam as mesmas. Um camiseta preta que evidenciavam os ombros e uma bermuda jeans, rasgada. Nos pés um tênis, delicado, algo que chamava a atenção tendo em vista os coturnos de outrora. No pescoço, uma tatuagem nova, com certeza.
 
Coincidência infernal. Guilherme se recusava a acreditar que em pouco mais de um dia na mesma cidade poderia viver tantas situações inusitadas. Ele, mais uma vez, vítima de sua própria curiosidade.

Desviou o olhar. Parou. Colocou os livros na mesa. A estratégia era simples. Fingiria que iria buscar outros livros e iria embora. Girou lentamente o corpo para dar as costas e evitar que fosse reconhecido. 
Armou o primeiro passo. Mas foi interrompido por uma doce voz, que alternava firmeza e candura.
 
- Amigos e amigas, perdoem por interrompê-los, mas acho importante dizer, que está aqui entre nós o escritor brasileiro Guilherme Lopes. Acho que seria uma grande honra tê-lo aqui nessa conversa, sendo assim, peço licença a vocês para convidá-lo a se sentar conosco e participar. Guilherme?
 
Quando criança Guilherme sentia um grande pavor na sua vida. Adorava escrever redações nas aulas de português. Mas a sensação de maior pavor que o habitava era de ler suas redações aos colegas de sala. Resguardava-se na opinião de autoridade da professora para ganhar nota dez. Mas sentia-se frustrado quando os rudes colegas não achavam graça no que ele escrevia, principalmente as meninas. Quando era obrigado a ler, sentia-se mal. Os olhos pesavam, o maxilar travava. A nuca doía. Suava. O pânico de estar colocado em situações que odiava. O tempo lhe ensinou que a forma mais fácil de lidar com isso, quando não se resolve muito bem os problemas era agir com arrogância e desprezo. Foi o que pensou. 

Faria um sinal de negativo com os dedos, uma expressão de agradecido, e pediria licença por ter compromissos ainda naquela tarde.  Mas a roda inteira o observava, alguns sorriam. A vontade de deixar que a presença de Gabriela o destruísse contou. Sentimentos dúbios.
Caminhou em direção a roda e sentou-se a esquerda dela. A cumprimentou com os olhos, e ela retribuiu com um sorriso. Reparou que sua mão estava entrelaçada com a da mulher que estava a sua direita. Essa por sua vez, após Guilherme se acomodar, parecia voltar a posição inicial e acomodou a cabeça no ombro de Gabriela.
 
Um senhor gordo e de bigode reiniciou suas considerações. E a hora mais longa da vida de Guilherme começou.

22.2.12

fineza

por fineza, entende-se a gentileza dessas de deixar possuir-se.
de permitir ser tomada pelos cabelos, longos.
de solicitar gritos.

ter a pele clara cravada pela mão ávida, fome.
de possuir corpo hipnótico, sorriso que desvela,

encontro de coxa, virilha e felicidade.

entende-se, mistura-se, envolve, revolve
puxa o ar, acende fogo - labareda.

depois de tudo, fineza é olhar corpo cansado
catar com dedo gotas de suor, e trazer aos lábios.

trocar pedaços de dois, em boca, abraço, língua.

19.2.12

ater-se - ou poema pra ser lido junto

quando das coisas mais íntimas, ela só me tem por inteiro.
acostumo-me a pensar em acariciar seus cabelos,
mania de quem se pega em sonho, devaneios de sofá.

apegado aos meus traços suburbanos, minhas idiossincrasias
acho graça de botecos no Leblon, museus, tatuagens.
desconheço tendências da moda, gestos e flores.

apenas me atenho as marcas produzidas pela sandália nos pés,
as pintas que preenchem a epiderme a cada centímetro de corpo,
o leve fio que desgarra do lábio com batom e arrefece,
a forma como as sobrancelhas dizem o que a boca não diz,
a própria boca - e seus movimentos que muito querem dizer,
a voz - tímida e sem jeito - de quem não sabe o que esperar,
e a espera, representada pelo ritmo ofegante e lento,

apenas me atenho ao que tenho, e talvez não seja pouco.


16.2.12

vestido branco - parte 3 (+18)


Desde que descera no galeão, voltando de Bueno Aires, ele não pensou em voltar a são Paulo. Hospedou-se em um hotel de Copacabana e resolveu aproveitar alguns dias que sobravam antes da entrega do material final do livro. O primeiro dia, passou inteiro dormindo sob o efeito de rivotril. Acreditava precisar de um sono desse porte. Trancou-se no quarto do hotel e por lá ficou, quase 22 horas  seguidas, levantando-se apenas para solicitar o serviço de quarto e ir ao banheiro. Assistiu TV, tomou um banho de hidromassagem. Voltou a cama. Controlou os pensamentos da pior espécie. Domou as lembranças da cidade portenha. Pensou em Gabriela. Mais de uma vez. A boca, os pés, os coturnos. Seu jeito de dançar e de olhar. Mas fazia questão de evitar pensar. Se pegou sonhando, de forma intensa: um quarto escuro, onde ele não conseguia acender a luz, parecia não poder abrir os olhos. Tonto, não conseguia se erguer. Sua aflição era interrompida por uma voz doce e sensual:

- hola, Chico!

Quando pensava que havia um sinal de vida, percebia que estava amarrado na cama. Em desespero, acordou do sono. Ou pesadelo.
No primeiro dia desceu a Santa Clara em direção a Atlântica. Quis ver o mar. Passeou pela orla por algumas horas, na intenção de encontrar algo no horizonte. Era como se o mundo, estéril, fosse incapaz de dar respostas naturais a ele. Seguiu em frente, subiu a Bolivar até a livraria de mesmo nome. Hesitou na possibilidade de perguntar pelo seu último livro ao atendente. Fazia isso no início da carreira e se sentia um babaca. Mas era mais forte que ele. Queria ter certeza de que era  um escritor com uma boa editora, presente em todas as livrarias. Arrefeceu.
Sentou-se e pediu um espresso. Aproveitou para ler o jornal do dia. Passar os olhos, já que não se interessava por nada daquilo. Quando abaixou o jornal para tomar um gole do café, percebeu que era observado por um jovem menina, de pele clara, cabelos curtos, magra. Mas atraente. Desviou o olhar. Ela veio em sua direção.
- Você é o Guilherme, não é?
- Sim, sou eu.
- Eu adoro as coisas que você escreve. Li teus livros. Acompanho a coluna na revista também.
Reconhecimento. Mimo. Volúpia. Estou em casa novamente.
- Obrigado, fico feliz.
Ela, diante a reação dele, sentou-se sem ser convidada, e fez um gesto para a garçonete solicitando um café.
- Olha, eu sou estudante de cinema. Hoje vai ter uma premiere de um curta que fizemos, aqui perto, no Roxy. Por que você não vai até lá? Seria o máximo!
Ele não tinha nada a perder. Gostava do estilo PUC, baixo-Gávea, daquela menina.
- Ok, feito!
- Maravilha, deixa eu te dar o convite.
- E qual é o teu nome?
-Mariana.

Voltou ao hotel, caminhando pela Nossa Senhora de Copacabana. Reparava no comportamento das pessoas que sobreviviam naquele pedaço de Rio de Janeiro. Parou em uma padaria e comprou seis maços de Marlboro para garantir tranqüilidade. Mais do que nunca estava entregue ao tabagismo.
Tomou um banho rápido, pegou as roupas que haviam voltado da lavanderia. Escolheu um jeans, uma camisa pólo de listas horizontais. Ajeitou o cabelo com as mãos, calçou um par de tênis.  Desceu em direção ao saguão do hotel e pediu um táxi.
O cinema estava cheio de jovens estudantes com perfil parecido. Descolados, hipsters, indies. Ele se sentia um pouco descolado. Ainda faltavam alguns minutos para que pudesse começar a sessão. Resolveu fumar mais uma vez na calçada. Entre um trago e outro foi interpelado por Mariana.
- Olá, que bom que você veio...
- Obrigado mais uma vez pelo convite...
Os minutos que se seguiram foram do mais complexo cinema experimental e construtivista. Cortes abruptos, planos sequência inesperados, áudio confuso, falas improvisadas, alguma nudez sem maior sentido. Vinte e três minutos de candura adolescente estudantil em forma de película. Ele achou tudo um saco, mas buscava mostra um semblante interessado, era seu papel. Ao final, aplausos e sorrisos daqueles jovens, que provavelmente haviam dedicado boa parte do semestre a realizar aquele projeto de uma disciplina qualquer da faculdade.
Mariana demonstrava extrema felicidade e excitação. Havia sido a produtora do curta. Atropelou Guilherme com uma série de histórias que se emendavam em perguntas e troca de impressões, mas que rendiam pouco diálogo. Ele apenas conseguia se concentrar nos olhos dela.
Belos olhos aliás, por que uma menina assim tão bonita não prefere literatura?
- Ei, a gente queria beber alguma coisa, por aqui mesmo na zona sul, para comemorar a finalização do projeto, topa vir conosco?
- Bem, eu...
- Ah, por favor, vai, a gente mal conversou...
- ok, ok...
Entraram no Táxi com mais dois amigos e foram em direção Leblon. Subiram a Dias Ferreira e desceram em frente ao Esch café. Escolha inusitada. Formaram uma mesa de seis pessoas, já que dois amigos já os esperavam por lá. O que se seguiu foi uma noite de falação incontida sobre cinema e experiências audiovisuais. Depois de algumas horas, Carol, amiga de Mariana tocou no assunto literatura, fazendo Guilherme falar da incrível experiência das palavras. Ele, sem paciência para um diálogo, mas treinado no pastiche, discorreu sobre os dilemas do escritor brasileiro contemporâneo, usou seus mais afiados jargões da literatour do momento. As pessoas o ouviam e balançavam a cabeça, como se concordassem com toda aquela besteira que era dita.
Ao final, pagaram a conta. Bebidas, algumas entradas. E uma sensação estranha, de uma noite razoavelmente vazia.
Na saída, Mariana o abraçou e agradeceu pela presença.
- Você fica no Rio por enquanto?
- Sim, mais alguns dias.
- Nos vemos novamente?
- Bom, devo ficar no hotel terminando de escrever algumas coisas.
Procurou algo nos bolsos e encontrou a nota da lavanderia.
- Toma, qualquer coisa me procura. Estou no quarto 1601.
Beijaram-se no rosto. E cada um foi para seu destino.

Para fugir de eventuais pesadelos, ele dobrou a dose do rivotril. Não sabe se na noite anterior sofreu com eles. Mas a sensação de corpo mole e ressaca de remédio era tão grande que era incapaz de fazer essa associação.
Acordou, pediu o café no quarto. Lavou o rosto, vestiu uma camisa, arrastou a mesa para mais perto da janela e ligou o laptop. Abriu a a mala e retirou uma pequena impressora que usava para suas viagens, conectou no computador. Retirou o HD externo da bagagem de mão e também o plugou. Abriu sua pasta [criação] e dentro dela clicou em [novos]. Reparou que o texto não estava lá. Lembrou-se que havia passado o livro para um pendrive novo, comprado no dutyfree do Galeão. Abriu a mala e procurou no compartimento interno. Nada. Jogou todo conteúdo da mesma no chão e separou roupa por roupa, bolso por bolso. Fez o mesmo com a bagagem de mão. Nada. Sentiu um frio subir pela espinha. Gotas de suor gelado desceram pelas têmporas. Conectou-se a rede wireless do hotel e acessou seu email pessoal e o da editora. Não havia backup. A única possibilidade era ter esquecido o pendrive no apartamento de Palermo. Sentiu uma forte dor na nuca que descia para o estomago. Foi ao banheiro, lavou o rosto e tentou repensar todo trajeto na hora de ir embora.
Abriu sua agenda no laptop e usou os últimos créditos em ligação do Skype para ligar para a portaria do prédio em Palermo. Iniciou uma conversa aflita com o porteiro. Ele tentava explicar o que havia acontecido, o porteiro tentava explicar que há muitos anos não tinha cópia da chave. Porém conseguiu o telefone da faxineira que ia quinzenalmente ao apartamento cuidar das coisas.
Conseguiu contato. Foram minutos seguidos de atropelos em espanhol. Ela com um forte sotaque paraguaio. Ele impaciente e aflito. Ao fim, ela reconheceu que encontrou algo semelhante ao que ele descrevia. Combinaram que ela deveria colocar o pendrive devidamente protegido em um envelope e enviá-lo através dos correios para o hotel que ele estava. Soletrou letra por letra para não haver erro no campo do destinatário. Ela pediu apenas que gostaria de colocar o próprio Guilherme como remetente e o endereço do apartamento de Palermo pois não queria documentar nada em seu nome, devido a problemas que o marido enfrentava na justiça argentina. Feito.
Ele ligou ao fim da tarde para confirmar o envio e respirou aliviado. Percebeu que por causa dessa situação havia ficado quase o dia todo trancado no quarto, de cuecas e sem comer direito. Resolveu que iria sair a noite, para relaxar. Sua estadia no Rio poderia se estender, agora era refém do correio nacional da argentina. 
A possibilidade mais atraente daquela noite era uma tradicional festa do Rio. O bailinho, no MAM. Direcionou-se para lá, depois de fazer contato com um dos poucos amigos que tinha no Rio, o também escritor Lúcio Gonzales. Lucio era tradutor e fazia parte do quadro de uma importante editora carioca. Era alguns anos mais velhos que Guilherme e tinha ganhado destaque por uma adaptação de sua obra principal para o cinema. Era um sujeito calmo, bonito e famoso. Uma bela companhia para quem buscava algum tipo de magnetismo em uma noite carioca.
Se encontraram em Botafogo no apartamento de Lúcio, na São Clemente e foram juntos para a festa no carro dele. Conversaram sobre a vida, o terror das editoras, a falta de inspiração e rumo de suas obras. Um papo sincero. Mas nenhuma palavra sobre Gabriela. Guilherme achava que nunca estaria pronto para falar sobre isso. Principalmente por se tratar de algo que não poderia ser explicado. A frustração do encontros e desencontros com a portenha se somavam a sensação de uma péssima recepção da cidade.
 Sentia um ar diferente ao cruzar o Aterro do Flamengo. Como se estivesse em casa. Via as luzes e gostava. Ainda estava um pouco tenso por causa da chance quase efetiva de perder o livro que devia a editora. Preferiu não contar as histórias vividas em Buenos Aires. Não poderia jamais compartilhar suas fraquezas com alguém.
O Bailinho parecia ser a expressão máxima do carioquismo descolado. Artistas de todos os tipos, celebridades, estudantes, figuras das mais diversas cruzavam o local e dançavam. Os dois encontraram um canto  e se acomodaram. Eram reconhecidos ali, principalmente por estudantes de Letras que circulavam no lugar. O som alto não permitia muita interação. Mas concretizava o que Guilherme queria. Ser tratado como escritor. Mimado. Paparicado. Pediu uma vodka dupla. Lucio não bebeu, temia as famigeradas blitz da operação Lei Seca. Conversaram um pouco mais até que o amigo foi interpelado por um batalhão de groupies-literárias com as melhores(ou piores) intenções possíveis. Deixou o amigo a vontade e foi dar uma volta pelo local. Não sem antes pedir mais uma vodka dupla.
Sentia-se bem ao ser assediado. Duas meninas vieram com seus smartphones e pediram para que ele se deixasse fotografar com elas. Um cara de camisa xadrez e óculos de aro grosso o cumprimentou e tentou dizer coisas sobre seu trabalho. Quase impossível compreender.
Na pista encontrou com alguns conhecidos, brindaram seu retorno ao Rio e dançaram.
Deparou-se próximo aos banheiros com uma linda morena, de cabelos longos, usando um vestido preto, justo e relativamente curto. Salto alto. Buscou seu olhar, mas ele nitidamente o desviava. Ela tinha nas mãos um mojito. Foi em sua direção, aproveitou que já estava relativamente alegre pelas vodkas.
-  Onde a senhorita andou por esse tempo todo? Eu nunca vi você...
Ela gargalhou com vontade, desceu os olhos, constituiu um semblante sério ou irônico. E falou pausadamente:
- Talvez você não tenha percebido onde eu estava por que estava ocupado demais, vomitando no banco do carona do meu carro.
Sim, é ela. A menina da Flip. Meu deus,como eu pude esquecer. Como eu pude dar esse fora. Que diabos é essa conjunção astral que me leva a essa mulher de novo.
- É, então, tudo bem com você...
- Thaís.
-Sim, eu sabia seu nome.
-Imaginei que sim, Guilherme.
- Olha, eu nunca pude me explicar direito. Eu estava um pouco eufórico, exagerei na bebida e acabei...
- Ok, quer fumar um?
Por que não? Essa festa já deu o que tinha que dar, não é mesmo? E ninguém vomita por causa de maconha.

- Pode ser...

Saíram no carro de Thais. Guilherme ainda não conseguia entender bem como poderia ter dado tal vexame diante uma mulher tão linda e aparentemente tão resignada. Reparou mais uma vez em seu tom de pele, tipicamente bronzeado pelo sol. Parecia se exercitar, tinha belas pernas. Uma mulher extremamente vaidosa.
Cruzaram a Infante Dom Henrique com um baseado respeitável aceso. Enquanto ela tragava, ele procurava no Twitter pelo Iphone as possíveis blitz que poderiam estragar tudo. Aparentemente, reinava tranqüilidade na região. Desbravaram alguns quilômetros de asfalto, com o carro perfumado de erva boa. Conversavam sobre amenidades. Ela parecia tranqüila, sem maiores rancores em relação ao incidente de Parati. Sorria enquanto dirigia com uma única mão. A outra acariciava o próprio cabelo. Nunca havia percebido como era linda.
Ela o olhou fixamente, com um sorriso leve. Tênue.
- Afim de terminar a ponta lá em casa?
- Seria ótimo.
Subiram a Pinheiro Machado em direção a Laranjeiras. Ele ainda teve tempo de enviar um sms para Lucio explicando seu sumiço. Chegaram ao apartamento da General Glicério.
O dois quartos era amplo. Cuidadosamente decorado. Um dos quartos era ocupado por uma espécie de escritório onde Thais trabalhava em seus projetos de publicidade. Ficaram na sala. Ela ligou o Ipod em um player e levemente o som de Miles Davis tomou conta do ambiente. Ela acendeu a ponta e fumaram o que restava, rindo de coisas banais.
- Quer uma taça de vinho?
- Sim, adoraria.
Ela levantou do sofá, jogou de lado os sapatos. Caminhou levemente até a copa. Abaixou-se no balcão que a separava da cozinha e colocou sobre ele duas taças. A garrafa estava logo ao lado. Lentamente serviu. Ele acompanhava cada gesto com atenção. Ela ergueu a face, sentia que ele a comia com os olhos. Sorriu. Caminhou de volta ao sofá, a franja caía sobre os olhos.
- Nunca terminei de ler seu livro.
- Não perdeu nada.
Ela gargalhou novamente. Bebeu um pouco do vinho. Tocou os cabelos dele.
- Então devo terminar de fazer outra coisa que ainda não terminei...
Antes que ele pudesse falar ela levantou. Tirou o vestido por cima e jogou os cabelos para trás. Sem sutiã, usava uma calcinha pequena. Sentou-se sobre ele, de frente, e o beijou. Ele arrancou rapidamente a camisa e a prensou forte contra seu próprio corpo, ergueu-se com as pernas entrelaçadas e a deitou no sofá. Arrancou sua calcinha com uma só mão e a chupou. Ela lhe deu a camisinha. Fizeram um sexo básico, suficientemente bom para gozarem juntos.
Por volta das três da manhã atravessou o saguão do hotel. Ao se aproximar da recepção, percebeu que uma menina clara e bonita estava no sofá, de pernas cruzadas. Jeans e all-star.

-  Mariana?
- Não ficou feliz de me ver?
- Não é isso, é que...
- Você disse que eu poderia te procurar...
- Sim, não tem problema. Bom, vamos subir até o quarto, pode ser? Conversamos melhor lá, se importa?
- Não.
O recepcionista pegou as chaves. Junto delas havia uma post-it.
- Um segundo, senhor Guilherme.
-Ok.
- Há um recado aqui para o senhor. Alguém ligou se identificando como “zelador do apartamento de Palermo”. O nosso interprete foi quem precisou atender o telefonema. Diz aqui que é para o senhor entrar em contato urgente “pois uma correspondência que deveria ter sido enviada para o senhor foi retida em uma agência dos correios de Buenos Aires por problemas no endereçamento”.
Novamente a dor descia da espinha e percorria o estômago.
Como assim? O que aquela estúpida fez de errado?
Pegou o bilhete da mão do recepcionista e saiu em direção ao elevador sem falar anda. Mariana veio atrás.

Subiram até o 1601. Mudos.

14.2.12

16° andar

risca chão que brilha, recepção de hotel.
exige, comprime, inventa - quer as chaves.
recepcionista quer não entender, mas expira.

sobe elevador, exausto. encosta, recosta.
analisa barba no espelho,
: sente o próprio cheiro.

deixa que os olhos brilhem.
angustia que sai. molha os lábios.

atravessa corredor, passo em dobro,
bate na porta. afoito, descansa em uma
imagem:

[ela, cabelos de quem acordara há pouco,
blusa branca, saia, pés descalços,
olhos lindos, boca que quetiona]

* não há tempo *

invade, avança, acorrenta, apressa.
há tempo de dizer:
- deixe todas as marcas que consiga.

pernas que se cruzam, em braços apoiados
: entrelaçados.
fios de cabelo que irão embora.

*o jogo de espalhar roupas pelo chão.*

em beira de cama, corpos se abrem, arquea-ea
lombar, lombrar, coluna, doce, folar.
esfola, afora, abre - permite entrar.

- desde que não saia nunca!

cavalga espécie de rito, por cima
assunta.
arranha, puxa. leva soco.
olho fechado.

pra ele são paulo era só um inferno,
para ela, Minas só uma imensa fazenda.

sairam prometendo prestarem-se
serviços de invasão, em terreno neutro.

promessas feita sob o vento, da janela aberta,
do 16° andar.

foto: Daniel Friedman

10.2.12

vestido branco - parte II (+18)

foto: el mensajero diario

ela entrou sem observar nada a sua volta. sem cerimônias. sentou-se na cama, arrancando os coturnos. ele sentou-se para desamarrar os cadarços e ela sem se importar que as unhas o arranhassem foi logo aranncando sua blusa, o deixando atrapalhado. sorriu para ele.

jogou seu corpo por cima do dele, o empurrando e o beijou. era um beijo bom. arrancou também a própria blusa e o sutiã, em um só movimento.

deitou-se rapidamente na cama para tirar a calça, e quando ele pensou em fazer o mesmo, ela o fez por ele. não permitia que ele conduzisse nada.

sentou-se em seu rosto já sem calcinha arqueando a coluna para trás e ordenou os movimentos de sua boca com as mãos entrelaçadas no seus fios de cabelo. puxava forte. virou-se, colocando os pés em seu rosto, delicadamente, e passou a chupá-lo. ele pensou em deitá-la para poder iniciar alguma reação, reconhecer seu corpo com mais precisão, mas antes disso ela já havia sacada uma camisinha do bolso e a colocou nele.

se posicionou de cócoras e permitiu a penetração. fácil. estava molhada o suficiente. levou  uma mão em seu peito com força e a outra segurava forte seu punho, permitindo-a conduzi-la pelo seu rosto. ele sentiu em seus dedos os lábios lindos que ele passou a noite inteira observando.

a franja caía sobre os olhos e ele não podia ver explicitamente suas reações. parecia estar bom. depois de alguns minutos nesse movimento, ela levantou-se.arrastou um velho chapeleiro do canto do quarto, com espelho de cristal para perto da cama. o trouxe até a borda e sentou-se em seu colo, em movimentos fortes e rápidos. a surpresa e total impossibilidade de conduzir a situação pareciam até o excitar. ele atingiu o orgasmo antes do que gostaria. ela respirou. olhou de soslaio. ergueu o corpo, inclinou o espelho para si e se masturbou até aparentemente gozar. sozinha.

caminhou até o lado da cama, deitou e acendeu um cigarro. ele adormeceu.

no dia seguinte, ele acordou assustado. mas estava mais relaxado. foi em direação a cozinha. havia café e medialunas quentes sobre a mesa. ela, trajava apenas a camisa e lia algo em seu laptop.
- fique a vontade para ler meus escritos. não precisa nem pedir...
sentou-se trazendo para si uma xícara e uma medialuna. ela apenas sorriu como quem não se importa.
- vocês da nueva generación de escritores brasileiros são assim, todos iguais?
- como assim?
- antenados, descolados. se importam com alguma coisa nessa vida?

sua reação normal seria apostar em um discurso que destruiria todas as contradições e mazelas da cultura argentina. sua decadência, seus dramas, seus pastiches. mas não teve forças. acendeu um cigarro, afastou a xícara e apenas disse em tom baixo.

- talvez sejamos apenas diferentes do que você se acostumou a ler.

antes que ele pudesse a convidar para almoçar, ela já estava se vestindo. deu um rápido beijo e sumiu pelas escadas do prédio.
passou o final de semana inteiro sem escrever e sem sair do apartamento. fumou exaustivamente, tomou litros de café, e só relaxou no domingo ao descobrir que no armário da cozinha haviam duas garrafas de Gato Negro Malbec, ainda embaladas com a sacola de uma lojinha de Mendoza. Provavelmente uma das últimas compras de sua avó em seus rotineiros passeios pelo interior.

na segunda-feira foi até a banca. o clima na cidade era letárgico, o calor unido a véspera do feriado de reyes magos.
- olá.
- hola, chico. passou bem o final de semana?
- na medida do possível.
- isso já é um começo.
- o que vai fazer amanhã?
- não sei, por que?
- que tal um passeio? um papo?

um passeio, um papo. imbecil, bucólico. por que?
- me parece interessante.
- sim, passa lá no apartamento, no início da tarde, pode ser?
- sí, chico.
sairam juntos no feriado. ruas vazias, um clima de cidade abandonada. andaram muito até a callao. de lá pegaram um ônibus até puerto madero. desceram e cruzaram a vera peñaloza, passarm pela calabria e depois de quase uma hora sentaram-se a beira da laguna de los coipas.

ele, resolvera falar mais. depois de tudo que acontecera, sentia-se mais a vontade. revelou suas angústias de escritor, seu desprezo pela argentina, sua vergonha de desconehcer a literatura da américa do sul, ousou ainda mais e descreveu toda impressão que tivera na noite em que transaram. esbaforido falava como se não houvesse amanhã. sentia-se inseguro, e contraditoriamente, conseguia falar disso, no lugar menos provável e com uma pessoa quase desconhecida. ela, por sua vez parecia estar disposta a pegar mais leve. tentou entender as razões, contemporizar os dilemas que ele vivia com a simples explicação de que o mundo mudou.

- guilhermo, as vezes pulamos de vagão. mas nunca de trem. você está nessa. pulou de vagão, mas continua no mesmo trem. só que prefere não acreditar. é assim. isso é você.
- e você não deve ter esses problemas, señora de la confianza.

ela gargalhou, ele já gostava disso.

- talvez tenha. mas no dia que o trem não me levar onde quero ir, pulo dele, não do vagão.

conversaram por mais tempo. de longe era possível ver uma mulher de vestido branco brincando com uma criança e um cachorro. a noite ameaçava cair e o sol já estava distante de refletir-se no rio de la plata. foram embora juntos de táxi. ela desceu na córdoba com pueyrredon. ele seguiu até o apartamento de palermo.
ficou de quarta até sexta trancado no apartamento. descera apenas para comprar um pacote com empanadas sortidas, uma caixa de alfajor abuela goye, gaseosas, algumas garrafas de quilmes e três ensaladas express. encheu a geladeira e ficou escrevendo. sentia-se mais animado, porém ainda incompleto em relação a vida e seu trabalho. pensou em ligar para a ex-namorada, havia transado com outra mulher, poderia estar mais forte para tal. arrefeceu. precisava de uma noite interessante. talvez em um boliche em san telmo, na companhia de gabriela.

foi até a banca da santa fé. mas não a encontrou. lá estava um senhor lendo o Olé e discutindo com outro se o Clarín mentia ou não. tentou interrompe-los, era dificil. algum deles entendeu quando ele falou o nome gabriela. e o máximo que ele conseguira entender é que ela não estava. irritado, retornou a seu apartamento. o sorridente porteiro o cumprimentou tentando algum tipo de conversa mas ele ignorou. trocou de roupa e quando mal havia escurecido foi ao palermo soho.

sentou-se por volta das nove da noite no la bruja tomou cerveja e comeu um bife de lomo. escreveu por algumas horas no smartphone. quando a casa ficou cheia foi para a pista e pediu um mojito com o dobro de rum. a música alta evidenciava que os hits do verão argentino mainstream eram da pior qualidade. pediu outro mojito e enquanto isso tentou conversar com uma turista aparentemente escandinávia.
praticamente gritava.

-  My name is Guilherme, I'm Brazilian writer!!
ela sorriu e disse algo que ele não pode ouvir. saiu em direção a pista e cochicou algo com as amigas, olhando para ele. ele, por sua vez tomou o mojito em dois goles. pediu uma vodka dupla, sem gelo. foi para a pista e ensaiou algum tipo bem estar naquela situação. já estava embriagado. foi em direção a turista e perguntou em inglês se ela não queria beijá-lo. ela sorriu e se beijaram na pista.

depois de alguns minutos foram até o lounge e se acomodaram em um sofá, trocaram amassos, ela, vermelha. ele afoito. quando respiraram, ela perguntou em um inglês sofrível.

- teach me...hummm... the tango.

que porra é essa de tango. será que essa idiota não sabe a diferença entre um escritor brasileiro e um dançarino de tango. será que essa mulher sabe onde fica o brasil?

fingiu que ia ao banheiro e não voltou. foi até o balcão, pediu outra vodka. antes que o servissem, pediu a garrafa, que aparentava ter pelo menos quatro doses. pagou a conta e foi embora. cruzou a plaza serrano visivelmente bebado e irritado. diante do prologo cervecero pediu a uma garçonete de cabelos pretos e óculos de grau de armação amarela se poderia usar o banheiro. entrou, trancou a porta, sentou-se no vaso e respirou fundo. mais uma vez fugindo. tonto. cansado. aflito.


pulando de vagão em vagão, sem coragem de descer do trem.

bebeu o resto da garrafa de vodka e saiu. sentiu-se mal. não sabia se era aflição ou porre. pensou em sentar-se no meio fio e quando tentou, caiu antes que conseguisse, batendo levemente a cabeça.

com a vista embaralhada não conseguiu identificar quem o ergueu. apenas observou olhares estupefatos a ele. antes que pudesse haver contato, foi embora, sinalizando para um táxi que havia acabado de deixar um casal por ali.

o dia seguinte foi de uma ressaca inominável. estava certo que deveria arrumar as malas e ir embora. conseguiu adiantar a passagem, ligou para o disque táxi de ezeiza e marcou um carro para levá-lo até o aeroporto. colocou o que havia sobrado de comida em um saco e jogou no lixo do prédio.

quando cruzou a portaria, o porteiro postou-se na sua frente.

- Sr. Guilherme, lo siento, pero hay días en que estoy tratando de enviar este correo a usted.

era um pequeno envelope timbrado do malba. souvenir comum a quem visitava o museu de arte moderna de buenos aires. uma folha pautada por dentro. com um bilhete rápido, em uma letra bonita.
hei chico,
fui recarregar energias na cabana da família em Punta Tombo.
caso tenha interesse de conversar mais, abaixo tem um telefone.
não devo retornar a cidade nos próximos dias.
tem horas que pular do trem, pode gerar feridas.

besos.



G.


o que significava aquilo? talvez nada. poucos dias em buenos aires pareciam ter gerado porres, uma transa louca, um galo na cabeça, um ego massacrado. dúvidas. e um livro imbecil ainda inacabado. na cabeça a frase da tatuagem de gabriela.


La verdad es esta: Yo doy mi todo.

sim. uma única verdade suficiente para torná-lo pequeno. ele, comedido. angustiado. reticente. vacilante. sem verdades a seguir.apenas escrever romances com garantias de boas críticas pautas em releases bem escritos. nada a fazer. seguir a ezeiza. pular mais uma vez de um vagão para o outro. desta vez, o mais seguro.

amassou o bilhete e o jogou no chão ao sair do prédio. quase acertou uma garota, de cabelos longos, um rabo de cavalo de lado, rosto corado e com um curto vestido branco.

nunca leria cortázar. e decididamente nunca mais voltaria a buenos aires.

9.2.12

vestido branco - parte I


nunca gostara de buenos aires. poucas vezes se dispôs ir até a cidade se não fosse por compromissos familiares mais formais. depois que a avó morreu era mais que natural que se passassem alguns anos sem sequer lembrar-se da existência da cidade. alguns rejeitavam seu comportamento. blasé. indiferente. sistemático. e reiterava sempre que não via motivos para ir à cidade e se misturar a milhares de turistas ávidos em fazer valer seu dinheiro nas decadentes ruas da capital portenha.

para ele, todas as mulheres de buenos aires usavam vestido branco.

trabalhava em seu último livro, acordo prévio com a editora, daqueles que se assume sem saber como cumprir. amargava um término de namoro, o tabagismo exagerado, um quase alcoolismo. tornara-se cada vez mais anti-social, rejeitando telefonemas de amigos, visitas.

desde que sua avó morreu, e deixara o apartamento de palermo para ele como herança, nunca havia ido sequer verificar a situação do imóvel. confiava que a administradora estaria cuidando de tudo, que o porteiro boliviano estaria atento a qualquer movimentação, que a empregada paraguaia deveria estar limpando tudo e mantendo de pé o velho apartamento de dois cômodos e um dormitório, espremido entre os trechos mais cosmopolitas da cidade, palermo soho e palermo hollywood.
não restava alternativa de fuga. ir até buenos aires poderia ser a única possibilidade de terminar um livro sem ser incomodado e ao mesmo tempo contrariar todas as expectativas das pessoas que o cercavam. era isso. deixou o galeão com os termômetros registrando 34 graus.

a única parte da viagem realmente prazerosa era o procedimento de pouso. podia observar que em ezeiza ainda restavam belos campos verdes circundando o aeroporto. de resto, era tomado por uma aflição que percorria todo seu corpo.
desceu, passou pela imigração e tomou um táxi até palermo para se acomodar.

o apartamento era velho e pequeno. em todos os cantos restavam marcas de sentimentos que nada significavam a ele. em todos os cantos era possível ver a memorabilia da guerra das malvinas, onde o seu avô havia lutado. fotos em preto e branco, recortes de jornal, medalhas, panfletos emoldurados com palavras de motivação aos soldados. cartazes com palavras ofensivas em relação à coroa inglesa e a dama de ferro. nada daquilo significava muito para ele. assim como seu pai, que havia ido para o brasil ainda no meio da graduação, pouca identificação tinha com toda história portenha.

foi até a confiteria da rua, buscou algumas emapanadas e medialunas, comprou algumas gaseosas e chocolates em um kiosko no caminho. abasteceu a geladeira em tom minimalista. abriu as janelas para se livrar do calor do verão, ligou ventiladores, abriu o laptop e acendeu um cigarro para pensar por onde começar.
algumas horas e poucas linhas se passaram até que resolvesse andar um pouco pelas ruas do bairro. sem vontade de fazer algo objetivo subiu a scalabrini ortiz até a santa fé. era um longo trajeto. ria por dentro dos carros velhos portando senhoras distintas e decadentes, de nariz empinado. ao dobrar a esquina da santa fé, parou em um kiosko novamente para comprar mais alguns maços de marlboro. resolveu observar as manchetes dos jornais. as malvinas voltavam a ser o tema unificador da nação. achou graça, se poupava de entender a lógica política dos irmãos do sul. resolveu comprar um novo guia da cidade que contivesse uma versão atualizada das estações do metrô.
reparou na moça da banca de jornal.

pela primeira vez não era um velho tipicamente argentino. muito menos uma mulher tipicamente argentina. apenas uma moça baixa, de cabelos médios, levemente frisados, calça jeans, blusa branca e tênis all-star. ao longo do antebraço, uma tatuagem que dizia:

La verdad es esta: Yo doy mi todo.

olhou em seus olhos. mas ela não correspondeu. desistiu de identificar melhor aquela pessoa tão diferente. pagou pelo guia, e andou exaustivamente até a estação bulnes, onde pegou o subte até a estação catedral. passeou pela avenida de mayo e por volta das 20 horas parou para tomar algo em um resto-bar na calle piedras. pouco mais de meia noite pegou um taxi até a plaza cortázar para uma saideira.
voltou as  três da manhã, levemente bebâdo. achava que poderia ir andando para casa. errou uma série de ruas e levou quase um hora para chegar até o apartamento. irritado, ao chegar descobriu que não tinha lembrado de levar roupas de cama. adormeceu na sala, em um velho sofá empoeirado.

acordou as 9, com o sol fustigando seu rosto. levantou, lavou o rosto, ligou a máquina velha de café expresso, única coisa realmente atraente na casa, colocou algumas medialunas no forno elétrico, abriu o laptop e usou da ressaca e mau humor para continuar a escrever. a amargura parecia ser suficiente para si.
resolveu que deveria almoçar. caminhou novamente até a santa fé para pegar um subte até o centro. permanecia com a imagem da moça da banca em sua cabeça. ao passar por lá, não a encontrou. se aproximou e enfiou a cabeça dentro de um mínimo buraco entre as revistas e posteres pendurados. não havia ninguém lá dentro. quando se virou para ir embora, deu de cara com ela.

- hola, chico.

pense rápido. muito rápido. não faça cara de assustado. tentando reverter seu semblante babaca, fingiu interesse em uma revista. ela, sem esboçar maiores reações o entregou, cobrou e entregou o troco. saiu de lá ainda assustado e impressionado com sua atitude patética. no caminho em direção bulnes, confirmava sua tese. todas argentinas usam vestido branco. andou atordoado a ponto de se esquecer de descer em bulnes. teve que ir por aguero. antes disso, jogou na lata do lixo uma edição de verão novinha da time out.
almoçou no la nueva embajada. exagerou mais uma vez na quilmes. resolveu retornar de metrô pela mesma estação e passou novamente na banca. estimulado pelos goles, sem ao menos dar um olá, apontou para o braço da mulher, erguendo as sobrancelhas. ela fez cara de quem não entendia.

- el tatuaje

ela sorriu discretamente enquanto carregava pilhas de jornais e revistas. colocou os produtos de lado, ajeitou uma prancheta no balcão. apoiou o pé sobre a caixa de souvenirs, enxugou o suor da testa. reticente o olhou dos pés a cabeça. com um grau de desprezo emendou.

- cortázar.

sim, como um escritor imbecil como eu não reconheceria uma citação a cortázar. é óbvio que ela nem desconfia quem sou eu. por que eu fiz essa pergunta. ele ainda sorriu com quem agradece e seu único recurso foi entrar no kiosko de frente a banca. lá dentro, como se raciocinasse, escolheu alguns chocolates, uma gaseosa de pomello, e pagou. antes, reparou que a balconista também usava um vestido branco. respirou fundo, saiu direto a banca.


- acepta tomar algo esta noche?
ela gargalhou. puxou a caixa onde outrora apoiara o pé e acendeu um lucky strike.
- Los brasileños son descarados.
ele estava certo que deveria pedir desculpas, fugir correndo, arrumar as malas e nunca mais voltar a essa cidade que o fazia sentir tão patético. antes disso, ela emendou.

- escríbalo aquí donde usted se encuentre. puede ser las once?

feito. foi para o apartamento de palermo ainda sem entender de onde tinha tirado a estúpida idéia de cair de joelhos por uma argentina desconhecida. foda-se. aproveitou as horas restantes para escrever. desinteressante. era assim mesmo que considerava seu trabalho.

às onze em ponto o interfone do apartamento tocou. lembrou que havia colocado seu nome no papel com o endereço mas não havia sequer perguntado a ela como se chamava. desceu e trouxe a tiracolo um exemplar de seu último livro para presenteá-la. ela vestia calça jeans black, coturnos de cano médio e uma blusa branca da banda A.N.I.M.A.L, que deixava aparecer o ombro e a alça do sutiã. cumprimentaram-se com dois beijos.

- Olá, Guilherme, tudo bem?
- Você fala português?
- Sim, aprendi quando adolescente. Para ler João Cabral de Melo Neto.
- Me desculpe, não sei seu nome ainda.
- Gabriela. Meus pais sempre gostaram de Jorge Amado.
-Fico feliz que goste de literatura. Sou escritor, gostaria de presenteá-la com meu último livro.

merda. que diabos estou dizendo. que tipo de idiota diz isso para uma mulher.

Ela sorriu, olhou de relance para a capa e guardou na bolsa. desprezo. mais uma vez. ele sentiu o rosto esquentar de tal forma que sabia que ela perceberia. mas fingiu não se importar.

andaram até a corrientes onde pegaram um ônibus em sentido a san telmo. deixou que ela escolhesse um lugar para os dois beberem. chegaram no bairro boêmio e ela indicou o caminho até um casarão velho e decrépito. a placa indicava el boliche de daniel. acomodaram-se em uma pequena mesa para dois. ao fundo do lugar, dois guitarristas tocavam canções de tango, irreconheciveis para ele.

ele pediu cerveja. ela um porrón de sangria.

- então você é escritor?
- sim. e você parece não ser muito adepta da nova literatura brasileira...

ela gargalhou mais uma vez.

- e existe velha e nova literatura, chico?
- por que não? gerações, estilos, mudanças. talvez não só de arbitrariedades vivam as classificações literárias.
- hum, belas palavras. então por essa lógica, eu não me interesso pela nova literatura brasileira.

o clima de tensão entre os dois era até agradável. permeado por um interesse que aparentava ser mútuo.  ele tinha 32, ela 28. se vestia de forma casual. não usava maquiagem, o cabelo parecia propositalmente desarrumado. mas tinhas lábios bonitos, olhos grandes, e era possível perceber que havia uma tatuagem na nuca, apontando ao lado do pescoço.

ele pouco tinha a complementar sobre os conhecimentos que ela tinha sobre a literatura brasileira. ele pouco conhecia a literatura argentina. conhecia um pouco de música. mas a cada colocação dele e resposta dela, ele se sentia o mais babaca dos turistas.
por volta das duas da manhã, chegou ao local um grupo de jovens. multiplos. indies, hipsters, hippies. todos barulhentos. ela levantou-se, cumprimentou todos, conversaram em um espanhol portenho rápido e incompreensível. ele mais uma vez se sentia um babaca.

antes que ele pudesse fingir que ia ao banheiro ela o puxou, e o levou para dançar junto de seus amigos. não era bem capaz de entender qual era jogo dela. desconhecidos, estranhos. mas a sua forma, ela o tratava com um grau de carinho.a milonga se estendeu até as cinco da manhã. ele sentia-se levemente embriagado, ela apesar de muitas taças de sangria parecia estar de pé, firme. antes que ele pensasse em sugerir ir embora, ela pagou a conta e o puxou pelo braço pelas ruas de san telmo. a madrugada era quente e tornava ainda mais estranho o abiente. ruas sujas, prédios aparentemente abandonados, poucas pessoas nas ruas.
- vamos pegar um táxi.
- sim.
- olha, gabriela, eu queria dizer...

ela o interrompeu pousando o indicador em seus lábios. gargalhou como das outras vezes que ele ficara irritado. o pegou pela nuca e o beijou. antes que el pudesse retomar o folêgo, estavam no apartamento de palermo.