30.8.09

eu, deus, e eu.

E então deus (assim com letra minúscula) mediante a minha aflição duradoura em saber como seria eu em forma de mulher resolveu me acalentar a alma e permitir que tivesse essa visão esdrúxula. Mas não sem antes me interrogar, afinal, deus é Deus. Ou seria, Deus é deus? Mas enfim, caro leitor, o homem, ou sei lá o que seria, me questionou com um olhar desconfiado: afinal por que tu quer ver como seria você, simetricamente, caso fosse mulher? Quer ter a experiência de alteridade máxima no gênero? Quer sentir a sensação de encontrar a alma gêmea de fato? E eu timidamente de frente ao todo poderoso joguei aberto ao máximo e disse que nada de grandioso movia minha curiosidade estranha. Eu estava até satisfeito com minha vida, minha auto-estima era algo razoavelmente resignada. Quando eu era magro demais conheci mulheres que achavam isso um charme e aproveitava disto para praticar esportes. Quando resolvi deixar a barba por desleixo, eis que vem os Los Hermanos e as meninas passaram a achar isso um charme. Quando engordei e uma barriga aqui nasceu me disseram com propriedade que barriga tanquinho era over, cafona. E eu então, ó deus que me interpela, sou muito feliz do jeito que sou. E o que me infelicita eu transformo em poesia e fica todo mundo achando lindo. Mas se tem algo que me deixa inseguro é que: se eu tivesse nascido mulher, como eu seria? Daria tudo pra ter a resposta a esse frívolo questionamento. Seria eu uma graça? Uma mulher decidida? Livre? E mais ainda, faria sucesso com os homens? E o deus, todo bonzão, disse que me concederia este desejo por alguns minutos e que eu agüentasse as conseqüências. E num passe de mágica (afinal como haveria de ser uma coisa de deus?) eis que repousa na minha frente uma garota de 26 anos. A primeira vista não me vi ali. Ela me olhou com cara desconfiada como se quisesse entender o que tanto eu olhava. Se vestia bem, melhor do que. Os cabelos eram estranhos. Fiquei injuriado que minha similar não tinha um nariz de respeito como tem essa minha raça. Eu tentei explica-la o que estava acontecendo, disse que ela precisava participar intensamente da minha experiência para o bem da minha humanidade e que eu queria ter a sensação de dar um abraço em mim mesmo, na versão feminina. No fundo eu queria era saber se eu cheirava bem. E, caro leitor, eu lhe digo que o perfume era bom. Apesar do abraço não nos demos bem. Saímos para beber uma cerveja e a única coisa em que concordamos: a pinga era algo supremo. Eu dormi na mesa depois da quinta dose e ela parecia estar firme, e descobri: minha versão feminina não devia ter insônia, afinal esta maldita dificuldade de dormir me mata e me faz ter sono depois de beber e às vezes provoca amnésias horríveis. Ela comeu meu chouriço e eu achei isso terminantemente uma péssima semelhança já que eu achei um dia que era a única pessoa do mundo capaz de matar a fome comendo um prato de chouriço apimentado. Por fim depois de bebermos tanto fomos pra casa ouvir discos de vinil e eu achei que pudesse até rolar um clima comigo mesmo, mas a sensação era horrível. Ela riu de mim e disse que eu era um neurótico e me permitiu até sentir sua textura corporal e eu até me achei gostosinha. Antes de acabar o LP Clube da Esquina 2, o deus tão cruel, interrompeu a experiência e me levou eu mesmo de lá, se é que o leitor me entende. Antes do chefe partir agradeci e disse que estava satisfeito, mas que gostaria de pedir qualquer dia desses que ele me permitisse uma experiência nova. E o deus ranzinza me mandou calar a boca e foi embora resmungando alegando que tinha coisa mais importante pra fazer, como conseguir mais seguidores no twitter e assistir Usain Bolt desafiar as regras criadas por ele.

24.8.09

sutilezas safadas*

primeiro ato, soa a campanhia (eu tremo)
burt bacharach's geatest hits
desliza insolentemente na vitrola

segundo ato, [onde está o abridor?]
eu bebo.
eu bebo...
mas não desgrudo os olhos do teu an-
dar.
(desde sempre estive curioso pra ver se teus pés
são isso tudo mesmo
: e são)

terceiro ato, eu descobri a ver-
dade
cinco vezes mais cicatrizes neste corpo
que eu imaginava, mas gostei

quarto ato
eu paro e escrevo os secretos versos
que peço que não conte a ninguém:

menina linda
que luta
menina branca
que dança
mire teus olhos
neste pedaço de mim.




*este título eu adotei na marotagem, na mão grande, afinal quem sugeriu foi o poeta André Capilé, e eu gostei e agora é meu, perdeu preíbói.

8.8.09

café da manhã

os pés brancos translúcidos de
falanges falanginhas falangetas
marcadas pela magreza elegante
que roçavam pela manhã no meu

pedindo um café da manhã,
mas não, é cedo pra sair debaixo
do edredom, é tarde pra terminar nosso
estudo anatômico acerca da veias azuis que
cismam
em transparecer por este corpo
branco, ainda é cedo.

pela tarde peça torradas ovos quentes
leite morno
café
peça e implore pra que joguemos toda esta
joça pela janela
e que termine tudo em coito louco
pr’aqueu prove a ti
que teus olhos me excitam mais
que as marcas deixadas pelas tiras
da sandália de salto alto.