30.3.12

octaedro

são páginas dissonantes, meu amor.
segredos de linguagem, fúria.

é que as vezes só podemos portar
um lápis e uma folha solta.

&
tende a ser viril, mágico, alcunha
de nós mesmos. duas pirâmides
amando em geometria espacial.

quando de um beijo na Calle Defensa,
e ao longe o senhor de óculos dizia
: é apenas uma canção de Pizzolla.

mas lembre-se, nessa casa nenhuma
mas nenhuma parede é paralela, e sim,
ainda sim me permito amar de canto.

por que há sempre duas palavras mágicas
- eu quero!
acionadas pelo barulho da tampa da garrafa
que desprende o gás, ecoando pela cozinha.

existe a arte de massagear dois pés,
com apenas uma mão, enquanto canções
desfilam impunes pelo toca-discos;
amor de panturrilhas.

faria um tango sobre amores que nascem
em ônibus em movimentos,
uma balada sobre o sofá-cama que
se abriu tantas vezes em tardes livres.

um soneto sobre o corpo que recobre
e faz um mundo.

mas seriam só palavras, e a linguagem
às vezes é apenas um ser vivo de
autonomia irritante que desconhece
as coisas do amor.

25.3.12

medicamento

corpo, uma coordenada
de fios tênues, ossos, pó.

bula: não requisita pré-
indicações, ou contra-
funções.

permeia andar.

corpo, mavioso ainda
que por um segundo

: primeiro!

69 % do corpo é anágua
20% é água,
e 1% é lavra.

corpo malato
cuerpo rígido
 
hay muchos peligros  
en las venas que pasan
 
é a mochila-casco, o
penhasco salto, alto.

corpo, admoestado.
com manual de 
desinstrução.


22.3.12

doce e cortante

- el arte de viajar -

do encontro, mesa de bar.
corpos juntos, dedilhando coxas.
 
- justo a tiempo -

teu marlboro, e a rubra brasa
que ilumina o quarto, breu.

 - la canción del silencio -

quebrada apenas pelos
doces pés, tocando chão.

- las picaduras de placer -


o entendimento de que:
tempo escasso, marcas de amor.

- la ambivalencia del deseo -

dois tempos: do desejo incontido
ao aninhar sem amanhã.

- las razones para el encanto -

a tatuagem, o salto que adorna.
o sorriso de olhos apertados.


19.3.12

fogueira

não se permite mais , nem menos
escrever em tom confessional.
- ensejo, puro.

a vida toda linguagem de Faustino
nunca poderia dar sentido, em vão.
- tanto sentido.

a cortina das metáforas exploradas
constituem um ser vivo, automático.
- dicionário de expectativas.

o conjunto dos conselhos dados,
forma uma pilha de papéis, lidos.
- gramática do viver.

seguir rota de um caminho, perdeu-se.
habitua-se trocar mapas por bússola.
- cartografia do medo.

desencontro é  detonador de bombas;
não há mais suicidas a se alistar.
- bandeira branca manchada de sangue

a expectativa de poeta é caneta falha,
esferográfica que rasga carne, inteira.
- decantar é a palavra infeliz do dia.

para quem desfere remotas palavras,
silêncio é o desmando da norma sã.
- ansiedade em estenografar.

em dias de frio e solidão sincera,
nunca ouça conselhos de poeta.
- fazer fogueira com pilhas de poemas.


9.3.12

meu, teu, nosso

meu portugues esquivo no teu ingles castiço
meu habitus suburbano, em teu francês correto
minha janela aberta, meu espelho quebrado.

meu quarto sujo.

teu corpo que recobra sentidos,
com minhas grosserias e palavrões.

minha barba que cheira conhaque,
na tua nuca.

meu banho dado em ti, na pia quebrada.
nosso banho de gato.

meu convite pra começar de novo.
teu pé, amarrada ao pé da cama.

teu tapa na minha cara, me chamando de

"-menininha"

teu corpo que arqueia, cada vértebra que marca
meu desenho predileto.

meu pedido de casamento, meu choro,
tua coragem, teu sopro.

nossa sociologia crítica da fodinha de corredor

6.3.12

antes e depois - II

*depois*

buscou quase cego, tateando a escuridão de cortinas, baixar o volume de um velho som estereo, na cômoda de frente a cama. em vão. tropeçou nos pares de sapato espalhados no chão. sentiu o peito quente e suado tocar o piso de tábuas corridas, frio, indiferente. ergue-se aos poucos apenas pelos braços, coçou a barba. sentiu que apenas um fio de luz penetrava pelo cortinado. o suficiente para deduzir que era dia. arrastou-se, pouco a pouco, como quem junta pedaços até conseguir encostar-se na parede. 

acendeu o último cigarro, torto. sentiu o peito chiar. omitiu-se na nuvem de fumaça; esconderijo predileto.

provavelmente o estereo ficou ligado por toda madrugada, quase no volume máximo. e mesmo assim dormiram.

Billie Holiday era um clichê em loop eterno.

I'm a fool to want you
To want a love that can't be true
A love that's there for others too

Ela se mexe na cama, dobra as pontas dos pés, e as estica tal qual fosse a bailarina do caos, uma prévia do exorcismo das câimbras. Gira o corpo, maltrata os lençóis. da cama, cai a garrafa vazia. rola até seus pés. quase vazia. 

um primeiro dos últimos goles possíveis em uma manhã. nunca o conhaque haveria de ser tão amargo.uma gota, talvez a última das que valha a pena, escorre pelo seu peito. impossível impedir. resignação.

I'm a fool to hold you
Such a fool to hold you
To seek a kiss not mine alone
To share a kiss that Devil has known

caminhou até o banheiro enquanto ela dormia como um bebê, apesar dos pés se retorcerem. precisava descobrir como amenizar as marcas de algema em seus pulsos. e criar coragem de desligar o estereo.

*antes*

atropelar um cordeiro, e deixar a sensação que a madrugada começaria como um ritual.errado, ainda que instintivo, ter ligado o limpador para tirar gotículas de sangue do para-brisa. um vidro rosa. uma madrugada cinza.

ela riu, de forma macabara. talvez mais da cara de susto que ele demonstrou. se calou diante os últimos gritos do bicho. grito de bicho. cheiro de pneu queimado. para seguir viagem, era necessário desamassar o para-choque, e um pedaço do paralama.

ela apena sorria. ele sem camisa. ela com os pés no painel. aniquilava a garrafa no bico. no silêncio da madrugada ouvia-se apenas o som da bolinha do dosador. 

voltou com as mãos e rosto sujo. ela o limpou singelamente com as mãos umedecidas com saliva. seu olhar agressivo e sarcástico deu lugar a uma expressão de cuidado e carinho. surpresa.

antes que pudesse pedir um beijo, coisa de homem que se comove, ela ligou novamente o rádio do carro, e rasgou seus ouvidos com a voz imperativa.

- vai. continue dirigindo. anda.

ligou o carro, obediente.

dobrou a esquerda no primeiro trevo e avistou a placa do hotel. neons de esperança, oscilando.

ela saiu antes dele, descalça e antes que ele completasse a frase, relembrar dos sapatos, ela sinalizou negativamente com as mãos sem nem olhar para trás. soltou os cabelos e olhou profunda, para a madrugada sem nome e sem cor. mexeu na bolsa.

taticamente, retornou em sua direção enquanto ele ainda fechava o carro. arrancou as algemas e jogou em seu peito.

dor.

- isso é pra você. aceite calado. e não me acorde antes de duas da tarde.



1.3.12

37 dias

não fossem dias, contados
seriam madrugadas,
travestidas de rotina.

júbilo, estreito.
caixa de ansiedade,
corda de amor.

já retirei de uma caixa
todos os discos
de Aldir Blanc,
uma garrafa de conhaque.

o cheiro dela que nem senti,
guardado em meu corpo
é consolo.

um sorriso.
um olho.

a esperança de uma mordida.

cada dia do calendário,
pede um arranhão.