27.4.12

céu vermelho

eu disse a ela que olhasse a vermelha marca do céu que saía da fissura das nuvens, o elã, intenso, partido. mas ela não olhava. insistiu na velha história que seu vestido vermelho não o era.

- é apenas o reflexo do céu, meu bem.
- e por que não olha o céu?
- por que gosto dele assim, vivo nos teus olhos.

o silêncio. uma arte, da tranquila cumplicidade estéril. o mar, em som estereo. quadrifônico, como a qualidade oferecida e nunca obtida nos discos que comprava. 

e fez-se uma maré estranha.

havia o cheiro bom. havia a restinga. o farol apagado. restos de vida na areia. e de novo havia silêncio.

só interrompido quando ela ergueu o braço. a sonoridade do bater e rebater das pulseiras. umas nas outras, como se fossemos nós. estilhaçar ouro, prata, cobre.

cada grama era reluzente poeira. como se ela fosse a magia. e fazia isso sorrindo, apertando os olhos. a boca entreaberta.

- eu já terminei.

sua voz calava o oceano atlântico.

e eu, permiti a seu corpo apenas a tornozeleira de palha.


3 comments:

Anonymous said...

"o céu partido no meio do nada"

Kadu Mauad said...
This comment has been removed by the author.
Leonel Di Fillipo said...

céu vermelho é coisa rara. assim como momentos tão poéticos, retratados nesse conto. Parabéns!