14.2.11

Miguel e Luiza - III (para ler ouvindo o tango no final do post)

A casa parecia um pouco mais viva. Do banheiro exalava um perfume bom, mistura do cheiro de sabonete e de xampu. Luiza tomava banho e ele achava graça da porta entreaberta que lhe permitia observa-la pelo espelho. Mais engraçado era o fato de que a convidada nem havia pedido a permissão para tomar o banho. Achava todo aquele silêncio um tanto quanto interessante apesar de sentir-se aflito para entender como tudo havia culminado naquilo.

Aproveitou estes momentos para separar seu material de trabalho. Na condição de fotógrafo profissional era muito zeloso com seu equipamento. Escolheu as lentes adequadas para o serviço que executaria na noite, e de forma metódica colocava-as lado a lado em cima da escrivaninha da sala de seu pequeno apartamento. A vontade de quebrar o silêncio sepulcral lhe fez colocar uma música. La vida mia, um tango dos irmãos Fresedo. Agora se sentia melhor. Deixou todo material em cima da escrivaninha como se tivesse montado um rol materializado. Sentou-se no sofá e acendeu uma cigarrilha que ainda lhe restava com seu velho Zippo. Observava seu equipamento com certo prazer e parecia ser um dos poucos momentos onde se distraía e conseguia não pensar em nada.

Luiza saiu do banheiro envolta em sua toalha e ele achou isso engraçado. Seus cabelos negros estavam molhados e rigorosamente penteados para trás. No rosto algumas gotículas de água tornavam seu doce rosto ainda mais interessante. Ela caminhou pelo corredor e Miguel percebeu que ela deixava um pequeno rastro de gotas d’água. Sorriu para ele rapidamente como quem faz um pequeno esforço para modificar a face. Um daqueles sorrisos compráveis a um levantar de sobrancelhas que usamos para cumprimentar pessoas pouco conhecidas. Ele pensou.

- Que atrevida esta pequena. Como gosto disso.

E quando achou que ia receber alguma palavra ela virou a direita para o quarto, como se estivesse em casa. Ele parou na porta, encostou-se no batente e observou-a vestir-se. Peça a peça. Parecia estar sendo apresentado àquela mulher. A blusa de listras coloridas na horizontal que deixava transparecer o ombro e a alça de um top preto. A calça jeans black de corte moderno com dois furinhos no bolso traseiro. Sentou-se por fim para se calçar e ele reparou que ela se calçava com as pernas cruzadas e não perdeu de vista os pés delicados que se enfiavam em pequenos calçados de plástico. Sentia-se calmo.

- Não fala nada? Ela cobrou, já que estava ali há cinco minutos sendo observada.

- Você também não fala nada, retrucou.

Ela franziu a testa e movimentou o canto da boca fechada para cima como se quisesse dizer, “é verdade!”. E levantou-se da beirada da cama com uma vitalidade de dar inveja ao anfitrião.

- Tango? Gosta realmente de Tango?

Ele pensou em uma resposta elaborada que desse conta de transparecer uma opção madura, mas quando ia falar iniciou-se no som La Cumparsita e ele pensou “meu Deus, quanto clichê!”. Ela tomou-lhe pelos braços imitando uma espécie de dançarina de Tango com o rosto colado no seu e com os braços esticados o guiou de forma inesperada até a porta. Quando o largou ela sorria de forma arrebatadora.

- Então é isso, Miguel! Ela dizia isso num tom de despedida.

- Nem conversaremos mais? Arrependeu-se extremamente de demonstrar tanto interesse. O que pensaria dele?

Ela caminhou pela sala, olhando de um lado para o outro como quem procurava algo. Ao lado das lentes e da câmera estava um cupom fiscal de supermercado. Ela encontrou uma caneta de ponta grossa, daquelas usadas para marcar mídias e escreveu algo. Para a surpresa de Miguel deixou ali mesmo o papel.

Luiza ergueu as sobrancelhas como se anunciasse o inevitável e disse:

- Me liga um dia. Ela tocou os próprios lábios com dois dedos, o indicador e o médio, e levou-os a boca de Miguel como se desse um beijo simbólico no rapaz. Abriu a porta e desceu pelas escadas deixando pra trás um ar tão misterioso quanto à noite que havia passado.


1 comment:

Kadu Mauad said...

Tiago! seu cretino, você não passa de um romancista, porra!

Não vejo a hora de continuar a história...

Beijão!
Kdu