30.9.10

Poesia virtu@l - Tribuna de Minas de hoje

Bruno Calixto

Repórter

O acesso à poesia, antes restrito às prateleiras das livrarias, hoje tem o aval da tecnologia. Como alternativa ao exigente crivo das editoras, poetas de diferentes gêneros têm apostado na democratização da leitura de suas obras, redefinindo formas e espaços da relação obra-público. Este nicho da literatura tem atraído a atenção de autores locais, que optam por disseminar sua produção em blogs, reafirmando a máxima difundida por catedráticos do ramo, como Moacyr Scliar, que defende a necessidade de publicação “onde quer que seja”.

Mecanismo fácil para a divulgação de textos em geral, o blog é a bandeira da independência da nova geração de escritores. “Acho que é a grande possibilidade de democratização da literatura, seja em prosa ou verso, de uma forma geral. O acesso irrestrito do público possibilita interação com o escritor e novos contatos deste com seu público”, ressalta José Alexandre Abramo, produtor cultural do ECO Performances Poéticas e um dos colaboradores do “Caderno encontrare”, de literatura. Segundo ele, este pode ser o caminho ideal para romper com preconceitos e estimular a leitura, apesar de “o livro físico dar uma sensação maior de profissionalismo e aprofundamento literário”.

Para o professor de história e escritor Tiago Rattes, mais que tornar o conteúdo acessível, o blog tem aberto espaço para uma nova geração de poetas, cuja produção traduz “sentido mais pop”. Ele cita como exemplo a escritora carioca Bruna Beber e o uso que ela faz de seu blog (didimocolizemos.wordpress.com). “Ela o utiliza como uma espécie de ‘podcast’ (arquivo digital), em que divulga, também, poesias de outros autores. Aliás, o blog é uma ferramenta muito importante, porque possibilita o contato com outros poetas do Brasil, como no meu caso com Chacal. Eu estava no blog dele e, sempre que comentava, divulgava o meu (tiagorattes.blogspot.com). Passamos a trocar e-mails, e agora um acompanha o do outro”, conta.

Uma estrada de infinitos caminhos, a internet é um território a ser ainda mais explorado. De acordo com o editor do jornal literário “O Rascunho”, Rogério Pereira, dependendo da intensidade do uso da rede, a relação escritor e publicação virtual pode ser avassaladora. “Tempos atrás, o poeta escrevia, imprimia, mostrava para alguém ler e aguardava o retorno. Um caminho mais demorado. Hoje, o que existe é criar e ter resposta instantânea”, observa o jornalista, comentando que, durante uma conversa com um amigo, constatou que qualquer microconto publicado numa rede social como o Twitter, por exemplo, tem repercussão imediata.

Rogério Pereira salienta que, se, por um lado, esta instantaneidade favorece a possibilidade de inserir mais um trabalho no circuito, por outro, pode gerar uma certa ansiedade em publicar e ter retorno daquilo que, às vezes, teria que ter passado pelo processo de aguardar uma segunda leitura antes de chegar ao público. “Muitas escritores são engolidos pela pressa, que a internet tem e a literatura convencional não tem. Afinal, a literatura tem tempo de leitura e produção lento”, conclui.

Apontando caminhos
O escritor Luiz Fernando Priamo, que reuniu poesias publicadas em seu blog (otarioinvoluntario.blogspot.com) no recém-lançado livro “Involuntário”, caracteriza a ferramenta como um tanto caótica, considerando a perda de controle por parte do autor com relação a sua obra. “Muitas vezes, as pessoas postam poesias por postar”, dispara o poeta, apropriando-se também do legado proliferado pelo compositor Chacal. “Não é uma questão de só mostrar a poesia, mas manter a visibilidade em si. A poesia na rede pode até ajudar, pois sabemos que esta é uma arte que interessa a poucos se comparada aos romances”, completa Priamo, cujo blog foi criado há três anos para divulgação de oficinas e eventos literários, como o ECO.

O confronto entre o volume e a qualidade de informações na internet é apontado pelo jornalista Rogério Pereira como fator “angustiante”. “Leio algumas coisas que me mandam, mas leio muito no livro, o tempo todo. Prefiro o papel.” Luiz Fernando Priamo concorda, ao lembrar do Prêmio Camões 2010 - um dos mais importantes do gênero - concedido ao poeta Ferreira Gullar, pelo conjunto de sua obra.

Outro ponto polêmico refere-se aos direitos autorais, assunto que deve ser debatido na esfera política e civil e burocratizado de forma legal, como observa José Alexandre Abramo. Rogério Pereira, ao comentar sobre um bate-papo com a ensaísta Heloisa Buarque de Holanda, defende que, apesar de ser uma “briga complicada, pressupõe-se que quem publica na internet sabe que está soltando para o mundo”.

Poesia de músicos
Militante da geração “marginalizada” de artistas dos anos 70, Chacal é um dos raros exemplos de multi-artistas, cuja produção consegue transitar entre música e poesia. Assim como ele, uma legião de representantes de outros setores artísticos “invadem” a praia da poesia e/ou vice-versa. Em Juiz de Fora, os compositores Edson Leão e Danniel Goulart, da banda Eminência Parda, mantêm versos em seus blogs que nem sempre viram música.

Sem a pretensão de ser enquadrado como poeta, Leão considera seu blog (bardosabordo.blogspot.com) uma página de textos em versos, não necessariamente produzidos para se tornar canções, embora isto aconteça com alguns. Por conta da repercussão do seu blog (suaeminencia.blogspot.com), Danniel Goulart passou a integrar a equipe do ECO Performances Poéticas, o que, a cada dia, o estimula a seguir com sua produção. “Minhas poesias foram escritas em cadernos e folhas que ficavam perdidas, até serem documentadas no blog. Com isto, as pessoas leem e comentam, o que motiva qualquer um”, argumenta o letrista, que também não se define poeta. “Acho que o fato de publicar onde quer que seja é importante para receber crítica, colocar a cara a tapa. Tem gente que entrou no blog para ler sobre música e saiu satisfeito com as poesias”, diz.

Cantora e cronista, Daniela Aragão também apostou no blog (ocantodadaniela.blogspot.com) para extravasar sua arte, que inclui, entre muitos outros gêneros, textos poéticos. “Parece-me que há novamente aquele espírito criativo que envolveu a geração mimeógrafo dos anos 70, mas obviamente com uma série de transformações, em que o contexto político e tecnológico, para o bem ou para o mal, é outro”, resume.

Poesia.com

Outros blogs

> geleiageral001.blogspot.com
Da produtora Laura Assis (ECO)

> kadumauad.blogspot.com
Do poeta e compositor Kadu Mauad

> signodeplutao.blogspot.com
Do professor de literatura e poeta Anderson Pires (escreveu o romance online “Malditos” através do blog, onde vai publicando os capítulos aos poucos)

1 comment:

Malú said...

Parabéns, Rattes. Muito bom!