6.6.10

1

Sobrara apenas o dissabor de encher os olhos com a cena da sala.
Dezenas de olhos presentes não percebiam as paredes mal-caiadas e os buracos na telha. Só o pó solitário sobrava nos cantos e se acomodava com o vento a penetrar por entre as frestas da porta quebrada. As janelas que haviam, cerradas. O pai de todos espalmava mãos velhas como se fechasse o rosto. Bebia o café e não mais se importava em fechar os últimos botões da velha camisa, deixava transparecer a cor amorenada do sol e as rugas da lida, o peito a guardar costelas aparentes, a magreza de sempre. Não se barbeara naquela manhã por que decidira nunca mais se barbear, e o rosto agora evidenciava os cabelos brancos que o chapéu escondera a vida toda.
Lá fora se formava uma fila extensa de resignados a caminhar lentamente, passo a passo em direção a porta quebrada, que agora estava aberta, convidando todos a entrada. A multidão em silêncio orava palavras incompreensíveis entre os dentes como se confidenciassem seus próprios pecados. Mas a maior parte das crianças, essas brincavam como se nada acontecera. Corriam e gritavam pela pequena capoeira verde que fazia sombra, no chão, e entre os galhos ressecados e os troncos derrubados para fazer mais um curtume. Brincadeiras de pique-pega. Alguns exibiam contas de vidro, outros porretes de dar em cabeça de cotia. Os menores de todos, mais santos, traziam, orientados pelos pais, terços benzidos, e vestiam branco a emular anjinhos do céu. Esses pequenos predestinados a guardar almas em dias difíceis vinham na frente conduzidos pelas madrinhas batismais. Vinham acalentar almas injuriadas e guardar a alma do morto.
O pai de todos encontrava-se agora sentado na velha banqueta no canto da sala. Conservava os olhos tristes e o olhar parado como se sentisse sono. Uma a uma, as crianças foram entrando. A primeira entregou a ele uma vela branca comprida para ascender a alma do morto. A segunda, trouxe um manto lilás com o nome do respectivo e a inscrição de um santo de sua devoção. A terceira trouxe um abraço que o mais velho de todos recebeu, ainda indiferente. Posicionaram-se a esquerda da mesa de se fazer refeições, que agora se encontrava próxima a janela e não mais ao centro, e em cima da mesa um café fraco e doce exalava aroma bom, mas ninguém ainda tivera tido coragem de se servir. Havia algumas quitandas do dia anterior. A mãe nunca ousaria deixar as visitas sem algo de comer, mas não restaram forças para fazer as fornadas de delícias frescas para o dia tão fatídico.
No centro da sala havia um caixão dos mais simples. Pura madeira a guardar o corpo de um jovem.

3 comments:

Alan Lopes said...

triste, mas bonito, imaginei a cena daqui.
vlw

Thiago C. Tertuliano said...

Caro Professor, quanto tempo, hein. Uns 6 ou 7 anos já, hein. Só agora fiquei sabendo que o sonho do livro virou realidade, parabéns! Voltei a acompanhar o blog e gostei muito. Muito diferente das coisas que eu já conhecia. Mandando muuuito bem, xará!!!

Thiago C. Tertuliano said...

Caro Professor, quanto tempo, hein. Uns 6 ou 7 anos já, hein. Só agora fiquei sabendo que o sonho do livro virou realidade, parabéns! Voltei a acompanhar o blog e gostei muito. Muito diferente das coisas que eu já conhecia. Mandando muuuito bem, xará!!!