6.4.09

pesadelo


às duas da tarde a cidade parecia estar morta
ou talvez meio moribunda
incompleta, só se respirava a poeira
das casas demolidas para se fazer mais sombra
no centro da cidade, e um milhão de carros
assobiavam como um comboio surdo

em silêncio a multidão
passeava e não se olhava
numa espécie de rito alucinado de indiferença

a cidade morreu
ou está insone?

40 graus de calor desumano assolam
a cidade indiferente que percorre as ruas
desnudas
entre ambulantes
numa espécie de bailado cheio de catárse

velhos brancos papeiam a conservação do
estado das coisas e tomam seu café
num papo idiota
que reflete
e repete a mesma história eterna

dentro dos apartamentos a televisão
mata o tesão
em ritos sumários de execução dos casais
perdidos iludidos babando o ódio da caretice
sem fim

o sono vira refém

são duas horas da madrugada
na cidade poesia onde os fantasmas
são vivos decadentes decanos assustados
prefeitos presos pobres colunistas
doces desempresários mal educados
chiques antiquados dotados de opinião

abro a janela e o ar da noite é temperado
com a surpresa onírica que
o céu da cidade não tem mais lua
os bebâdos não tem mais a rua
os eternos felizes perderam
os bancos das praças
os abraços sinceros
os sorrisos docemente exagerados
e não mais vagam
nem divagam pelas esquinas
ou butecos abençoados
(que aliás estão fechados)

lá no alto, no lugar da lua, uma noite em branco
indica que roubaram nossa esperança
e todos calados roncam
e roçam
e rolam
nos lençóis da indiferença

são seis horas da manhã
os olhos cheios de areia denunciam
a estranha noite
e a claridade ofuscante faz ainda mais
confudir se tudo foi realidade
ou pesadelo

e os poucos que acordaram
fingem que nada aconteceu.

4 comments:

Rodrigo Pessoa said...

parabéns!!! esta poesia deveria ser pintada no cruzamento da rio branco com a halfeld.

a poesia de vcs, dessa turma do eco, é a esperança da arte de juiz de fora.

parabéns e um abraço!

José Alexandre Abramo said...

MUITO BOM!

Andre de Freitas Sobrinho said...

se a gente quisesse ser movimento, daqueles com programa e tudo, não dava esse resultado e identificação todo.

A Ficção do Real said...

Realmente essa é a Juiz de Fora de hoje. Lamentável e Fria.
Que o verão volte logo!

Abraços