16.1.20

Amalá

Para o André Capilé


O grisalho da barba
Na verdade é a cinza da forja.
De letras, mãos calejadas, mas
Bigorna, outrora martelo.

Faz que manca-tartaruga, mas
Persegue a justiça, com sede de águia.
Dos mortos, é o mais vivo,
A beliscar calcanhares.

Para ser rei de toda essa farra,
Não paga simpatia, nem recua.
Nos dentes, carrega a adaga,
Na saliva, métrica alcalina.

O desgrenho da juba, meduso,
É resultado de afago na selva.
Os fios prateados, são raios,
Cantiga cortante quando bate cabeça.

A carranca é só moda de moço,
Já que no machado, liberdade é justiça.
Na ponta dos pés o bailado garante
Sorrir sagaz com o corpanzil.

Xangô (C) Kiko Dinucci 




21.8.18

Xepa



 amiúde
armar  a feira livre
não  se resume em
tornar viável o sonho
da catação.

23.1.18

Preâmbulo

é permitido ao narrador decodificar
vidas que não o pertencem em poema?

a vida, parece-me, (depois de velho)
ser constituída de nativos da palavra.
e o poeta nem sempre devolve-os
o resultado dessa secreta incursão.

apropriar-se da estética da vida alheia
é o dilema dos narradores que de
alguma maneira abandonam seu choro
e arriscam esconder-se no choro alheio.

embora a vida não seja só a lágrima
(é menos sofrimento do que querem
os poetas confessionais, e é menos
dor para redenção do que querem
os poetas heróis de plantão),

a vida ainda é algum tipo de canto
que permite envolver-se pela métrica
ou ritmo das palavras. resta saber
se isso tudo é libertação ou prisão.


4.1.18

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{12}

Words move, music moves
Only in time; but that which is only living
Can only die.(…)

T.S Eliot - Burt Norton - IV



a ponta dos teus dedos tornam o tocar mais simples em um gesto sublime e eterno. por isso te pedirei que coloque aquele disco. suas mãos claras, movimentando um disco de vinil em meio ao quarto escuro. os livros. das eternas e ternas estórias que só fazem sentido em tua voz.

perceba: amanhã é apenas uma palavra que repetimos enquanto medimos o tempo que gastaremos tendo prazer.

sendo assim, não marque no relógio, esqueça o calendário, a ampulheta, o telefone celular. “ouça” apenas o silencioso atrito dos corpos emudecidos nessa noite eterna.

{13}

(…)Dos lábios da alegria e corta o passo 
Ao gamo da aventura que fugia; 
O som desta paixão desmente o verbo(…)

Mario Faustino - (O som dessa paixão esgota a seiva)



feche a porta.

ainda sou capaz de perceber você andando na ponta dos pés. caminhe até o meu corpo inerte promovendo apenas a fé do silêncio.

ajeite a alma.

não pense que esquecerei dos planos de lermos um pro outro todos aqueles livros que guardamos na estante.

troco meu equipamento stereo e todos os meus discos por uma caixinha de música que contenha sua imagem..

25.10.15

Maré

ressaqueado, transatlântico de flores
banhando os pés de amantes. grita lá
a  mãe: menino, não vá longe no mar.
 barulho e concha, silício de memória
é ostra. aberta feito alimento, artesã.

da calçada, vendo apenas as velas, eis
que embarcado um sentimento nobre
flor. traz arrasto, a noite, sorve catuaba

sopa de caranguejo
oração, odoiá.


15.10.15

Estudo 1

lição moral: em nenhuma
circunstância ou ocasião
cabe dizer (por modos)
que não se deve aplicar
canonismos de ocasião.
diz o dicionário que
tal pratica consiste
em visar na crítica
apenas o pragmático
(ou aplauso)
sinônimo: canonismo de resultado
aprendi com os melhores
(craques da pena e bola)
que a arte não tolera
oportunismos covardes

23.9.15

Até mais

feito um rio de acordes
uma última história.

nem poesia, nem Coltrane

um último drink
um beijo gelado
um riso de morte.